sexta-feira, 9 de setembro de 2005

Sócrates e os sofistas

Nas Memórias de Sócrates, Xenofonte relembra uma conversa em que o sofista Antifon mostra a Sócrates que o fruto que ele, Sócrates, estava colhendo da filosofia era simplesmente infelicidade - a bebida mais barata, o alimento mais pobre, uma túnica surrada, usada de verão a inverno, e nenhum manto, nenhum calçado. Tudo isso porque ele se recusava a cobrar por seus ensinamentos, desdenhando o dinheiro, que é uma alegria em si, capaz de tornar alguém independente e mais feliz. E como um professor sempre tenta fazer com que seus alunos o imitem, Sócrates devia ser, segundo Antifon, um professor de infelicidade. Sócrates respondeu da seguinte maneira:

Antifon, minha vida lhe parece tão miserável, que tenho certeza de que você preferiria a morte a levar uma vida como a minha. Vamos lá, vamos pensar juntos qual é o problema que você vê em minha vida. Será pelo fato de que os que cobram dinheiro são obrigados a executar o trabalho pelo qual são pagos, enquanto que eu, por me recusar a cobrar, não sou obrigado a falar com ninguém, a menos que queira? Ou você considera meu alimento pobre porque ele seja menos saudável ou menos nutritivo que o seu? ou porque minhas provisíµes sejam mais difíceis de obter que as suas, que são mais raras ou mais caras? ou porque sua dieta seja mais saborosa que a minha? Sabe você que, quanto maior o prazer de comer, menor a necessidade de tempero? quanto maior o prazer de beber, menor o desejo pelas bebidas que não estão ao nosso alcance? E quanto í s túnicas, elas precisam ser trocadas, você sabe, por causa do frio ou do calor. E os sapatos são usados como uma proteção para os pés contra a dor e a dificuldade de andar. Agora, você já me viu ficar em casa mais do que os outros por causa do frio, ou disputar com qualquer homem um lugar na sombra, devido ao calor, ou deixar de andar para qualquer lugar por estar com os pés doendo? Sabe você que através de treinamento um indivíduo franzino pode vir a ser melhor em qualquer forma de exercício que pratique e adquirir mais resistência do que o prodígio de músculos que negligencia o treino? Vendo, então, que estou sempre treinando meu corpo para responder a todo e qualquer estímulo que exija suas forças, não acha você que posso suportar qualquer esforço melhor que você que não tem treino? Para evitar a escravidão do estômago, ou do sono, ou da luxúria, você acha que existe melhor remédio que a posse de outros prazeres, prazeres maiores, que são deliciosos, não só para se gozá-los no momento, mas também porque suscitam a esperança de um benefício duradouro? E, ainda, você certamente sabe que é infeliz aquele que pensa que nada dá certo para ele, enquanto que aquele que acredita que será bem sucedido no cultivo da terra ou na navegação, ou em qualquer outro negócio que empreenda, é feliz em seu pensamento de prosperidade. Pois bem, você acha que existe algo tão prazeroso quanto o pensamento:"estou crescendo em bondade e estou tornando melhores meus amigos?" E isso, posso afirmar, é meu pensamento constante. Além disso, se a cidade ou os amigos precisarem de ajuda, quem dos dois tem mais disponibilidade para suprir suas necessidades, aquele que vive como eu vivo, ou aquele cuja vida você considera feliz? Qual dos dois vai achar a vida militar mais fácil, aquele que não consegue existir sem o alimento caro ou aquele que se contenta com o que consegue obter? Qual dos dois, quando sitiado, se renderá primeiro, o que deseja fugir do que lhe é penoso ou o que consegue se sair bem com o que tem í mão? Parece que você acha, Antifon, que a felicidade consiste na luxúria e na extravagância. Mas eu creio que não ter necessidades é divino; ter o mínimo possível vem em seguida ao divino; e como o divino é a própria perfeição, quem mais se aproxima do divino mais próximo está da perfeição. – (Xenofonte, Memoráveis)

Texto extraí­do do site Filosofia e Idéias

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