sexta-feira, 24 de março de 2006

Existe uma vida futura?

Interessam-se realmente por isso? Suponho que sim, pois, de outro modo, não fariam a pergunta. Mas, um momento: por que perguntam se existe uma vida futura? Só por divertimento, curiosidade, porque estão atemorizados com o presente e, portanto, pretendem saber qual será o futuro, ou simplesmente para aprender? Ora, sabem que alguns cientistas modernos, bem conhecidos, estão afirmando que existe uma vida futura. Dizem eles que, através de médiuns, podemos descobrir que existe uma vida após a morte. Muito bem, tomemos isso como decidido, que ela existe. Que acontece se existir uma vida futura? Que fizeram ao descobrir que existe uma vida futura? Não são, por isso, nem mais felizes nem mais inteligentes nem mais humanos nem mais sensatos nem afetuosos. Estão onde sempre estiveram. Tudo que aprenderam foi outro fato – o de que existe uma vida depois desta. Isso pode ser um consolo, mas o que resulta daí? Dirão: “Isso me dá a certeza de que viverei na próxima vida”. Mais uma vez: o que decorre daí? Mesmo que isso lhes dê a certeza de que viverão, defrontam-se ainda com os mesmos problemas, os mesmos aborrecimentos, as mesmas alegrias e prazeres transitórios, não obstante exista outra vida. Para mim, embora ela seja um fato, é de pouca importância. Senhor, a imortalidade não está no futuro; a imortalidade, a eternidade, ou como queiram chamá-la, está no agora, no presente, e só poderão compreender o presente quando a mente estiver liberta do tempo.

[...]

Receio que o interrogante esteja desapontado. Ele deseja saber se há ou não há – quer uma resposta categórica: sim ou não. Lamento não haver resposta categórica para dar. Cuidado com as respostas categóricas – sim e não. Não será, na realidade, mais importante saber viver do que verificar o que acontece quando se morre? Só aquele que já está morrendo é que quer saber o que acontece após a morte; não, aquele que está vivo. Perguntemos e procuremos, portanto, como viver ricamente, humanamente, completamente, divinamente em vez de tentar averiguar o que está para além. Saberão, depois, o que está para além, quando souberem como viver supremamente, inteligentemente. Só então saberão o que está para além. Mas essa descoberta, então, não será uma coisa teórica; será um fato.

Aí, então, vão descobrir que isso tem muito pouca significação, pois não existe além. A vida é um todo completo, sem começo nem fim. É esse êxtase, essa sabedoria, que produz a plenitude do viver no presente.

Krishnamurti
Texto na íntegra

quinta-feira, 9 de março de 2006

Linguagem correta

Meu mestre dizia, “Se você não consegue controlar a sua boca, não existe esperança de que irá controlar a sua mente.” Por essa razão a linguagem correta é tão importante na prática diária.

A Linguagem Correta explicada em termos negativos significa evitar quatro tipos de linguagem que são prejudiciais: mentiras (palavras que são ditas com a intenção de distorcer a verdade); maldosas (palavras ditas com a intenção de separar as pessoas); grosseiras (palavras ditas com a intenção de ferir outra pessoa emocionalmente); e frívolas (palavras ditas sem a intenção de algum significado).

Observe o foco na intenção: é nesse ponto que a prática da linguagem correta cruza com o treinamento da mente. Antes de você falar, você foca no porquê você quer falar. Isso ajuda você a tomar contato com todas as maquinações que estão ocorrendo no comitê de vozes que dirigem a sua mente. Se você percebe alguma motivação inábil se ocultando por detrás das decisões do comitê, você poderá vetá-las. Como resultado você estará mais atento consigo mesmo, mais honesto consigo mesmo, mais firme consigo mesmo. Você também evita dizer coisas das quais se arrependerá mais tarde. Dessa forma você fortalece qualidades da mente que lhe auxiliarão na meditação, ao mesmo tempo que evita qualquer tipo de recordação dolorosa que atrapalharia a atenção no momento presente, quando chegar a ocasião de meditar.

Em termos positivos, a linguagem correta significa falar de forma honesta, harmoniosa, confortante e digna de ser levada a sério. Quando você pratica essas formas positivas de linguagem correta as suas palavras se convertem em bênçãos para os outros. Em resposta, as outras pessoas irão prestar mais atenção àquilo que você tem a dizer e provavelmente irão responder da mesma forma. Isso lhe dá uma idéia do poder das suas ações: a maneira como você age no momento presente de fato molda o mundo das suas experiências. Você não precisa ser uma vítima de eventos passados.

Para muitos de nós a parte mais difícil da prática da linguagem correta se encontra na forma como expressamos nosso senso de humor. Especialmente quando damos boas gargalhadas através do exagero, sarcasmo, estereótipos e pura bobagem – todos exemplos clássicos de linguagem incorreta. Se as pessoas se acostumam com esse tipo de humor negligente, elas irão parar de ouvir com cuidado aquilo que temos a dizer. Dessa forma vulgarizamos o nosso discurso. Na verdade já existe ironia suficiente no mundo portanto, não precisamos exagerar ou ser sarcásticos. Os melhores humoristas são aqueles que simplesmente nos fazem ver diretamente as coisas como elas são.

Expressar o nosso humor de forma honesta, útil e sábia pode exigir que pensemos e nos esforcemos, mas quando nos tornamos mestres nesse tipo de sutileza nos damos conta de que o esforço valeu a pena. Aguçamos a nossa mente e melhoramos a nossa linguagem. Dessa forma, mesmo as nossas piadas se tornam parte da nossa prática: uma oportunidade para desenvolver qualidades positivas na mente e oferecer algo de valor intelectual para as pessoas que nos rodeiam.

Assim, tenha muito cuidado com aquilo que você diz – e com o porquê você o diz. Ao fazer isso, descobrirá que uma boca aberta não é necessariamente um erro.

Thanissaro Bhikkhu