quarta-feira, 28 de fevereiro de 2007

Faxina

Conta-se que muitos anciãos discutiam sobre o significado da vida, porque surgia o desejo e o sofrimento, mas o mais velho ancião permaneceu calado.

Depois de muito tempo alguém incomodado com o seu silêncio perguntou o que ele achava de toda aquela discussão e ele repondeu:

- Amigos, já é tarde e a noite cai. Devo ir para casa e fazer minha faxina…

terça-feira, 27 de fevereiro de 2007

Os viajantes

Uma vez viajavam juntos um monge,um bandido, um pintor, um avarento e um sábio. Uma tarde ao cair da noite, abrigaram-se numa gruta.
- Não se encontraria lugar mais próprio para um eremitério! exclamou o monge
- Que ótimo refúgio para salteadores! diz o bandido
O pintor murmurou: – Que motivo para o pincel estas rochas e estes jogos de luz do archote com as sombras!
O avarento observou, por sua vez: – Mas que sítio excelente para esconder um tesouro!
O sábio escutava-os; por fim exclamou:
- Que bela gruta!

Texto extraído do blog Samsara

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2007

Os livros e o rei

Existia, há muito tempo atrás, uma ilha muito grande que pertencia a um reino.

Nesta ilha havia muitas tribos diferentes, cada uma com seu próprio governador, idioma, costumes, vestimentas, etc. Os povos que habitavam esta ilha eram realmente muito diferentes entre si e tinham uma certa dificuldade para aceitar essas diferenças.

O reino no qual estava a ilha, era regido por um Rei muito sábio, justo e que apesar da distância, amava muito as tribos que lá viviam.

Todos, de todas as tribos, amavam muito o Rei, mas não podiam ir ao seu encontro pois a ilha ficava muito distante. Pediam freqüentemente ao Rei que algo fosse feito para que eles pudessem chegar à sede do reino e estarem mais próximos daquele que tanto amavam.

O Rei, atendendo os pedidos, decidiu construir uma ponte.

Porém havia dois problemas: o primeiro era a distância. Como a ilha ficava um pouco afastada do continente, seria preciso construir uma ponte muito longa e para isso todos os habitantes da ilha deveriam trabalhar juntos. E aí surgia o segundo problema: as tribos falavam línguas diferentes.

Mas o Rei, que era muito sábio, chamou seu melhor engenheiro e mandou que ele fosse à ilha ensinar os homens das tribos a construir a ponte.

O engenheiro percebeu que não seria fácil unir todas as tribos devido às diferenças que existiam em cada uma. Além do mais ele era um estranho e as pessoas não estariam muito receptivas a estranhos…

Então ele teve uma idéia! Antes de ir a cada tribo, o engenheiro observaria cada uma delas, aprenderia sua língua, seus costumes, seu modo de se vestir e só então partiria para a viagem.

Chegava em cada tribo como se fosse um deles. Falava o mesmo idioma, se vestia da mesma forma, tinha os mesmos costumes e até adotava um nome diferente para si em cada visita; e então o povo conseguia aceitar e entender o engenheiro, que se empenhava em ensinar com detalhes como eles deveriam construir a ponte que ligaria a ilha ao continente.

Todos os ensinamentos do engenheiro eram anotados em um livro para que, no momento da construção, eles não esquecessem nem errassem nenhuma das lições. Eram livros muito importantes para todos, pois todas as tribos precisariam trabalhar juntas para construir a ponte. Apesar disso, o engenheiro nunca quis escrever um manual, preferia ensinar com palavras e com demonstrações práticas.

Assim que terminava de ensinar, o engenheiro partia para uma nova missão, mas não sem antes prometer voltar para ver a obra de cada um.

E assim foi até a última tribo. Todas elas receberam as lições do engenheiro. Todas aprenderam a construir a ponte. Todas escreveram seu próprio livro. Livros escritos em épocas diferentes, em línguas diferentes, por tribos diferentes, com títulos diferentes mas todos possuíam o mesmo ensinamento: a construção da ponte.

Chegou então o grande dia! Toda a ilha estava em festa! Iriam começar a construção da sonhada ponte!

Os governantes de cada tribo começaram a dar as orientações que estavam no livro, mas algo estranho aconteceu.

Cada tribo começou a achar que apenas o seu livro estava correto. Dizia que os livros das outras tribos eram fraudes, que quem os escreveu não sabia nada sobre construção de pontes e que o seu – apenas o seu – livro possuía os ensinos do verdadeiro engenheiro do Rei. O livro passou a ser mais importante que a construção. Passaram mais a discutir que a construir. As bocas trabalhavam mais que as mãos. Definitivamente não se entendiam; a discórdia surgiu e as ofensas partiam de todos para todos.

Esta situação durou vários anos, muitas tribos entraram em guerra e várias pessoas morreram. A ponte não foi construída e os homens ao invés de se aproximarem do Rei, se afastavam cada dia mais.

O Rei, sabendo de tudo o que estava acontecendo na ilha, resolveu mandar novamente seu engenheiro. Mas desta vez seria diferente…

O engenheiro do Rei voltou à ilha e se apresentou a todos os moradores. Falava a língua oficial do reino. A Linguagem Universal. Poucos sabiam falar essa língua, mas todos conseguiam compreender perfeitamente cada palavra.

Todos ficaram muito espantados, pois apesar de não estar vestido como cada tribo estava acostumado e estar falando a língua oficial, reconheceram imediatamente aquele engenheiro e lembraram da sua promessa de voltar.

Contudo, o que mais espantou aquelas pessoas, foi o que o engenheiro disse.

Falou que os livros eram apenas letras impressas; que os homens das tribos se preocuparam em gravar as palavras nos papéis, mas deveriam ter gravado as palavras nos corações; olhavam apenas para seus livros, quando deveriam olhar uns para os outros e finalmente, que esqueceram seu objetivo principal que não era construir a ponte e sim, chegar ao Rei.

Então, convidou todos a queimarem seus livros, fazerem uma grande fogueira com eles para quem sabe, esquentar um pouco seus corações…

Lá de longe o Rei viu o brilho da fogueira e sorriu.

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2007

O que buscais?

Jesus, ao começar o seu ministério, quis responder aos mais profundos desejos humanos.

Estando só nas margens do rio Jordão, Jesus percebeu que dois homens o seguiam… Sentiu, atrás dos seus passos, o caminhar de uns homens que procuravam alguma coisa. Era a humanidade em busca. Nesses passos ressoava a longa marcha de Israel pelos desertos, querendo chegar à Terra Prometida. Nesses passos havia um eco de tantos pobres e profetas à espera do Messias.

Pressentia que ali havia matéria para formar apóstolos. Voltou-se para eles e lhes perguntou: O que buscais?

Pensemos sobre esta primeira pergunta do Evangelho que tem valor mais além das circunstâncias em que foi feita. Pode nos ajudar, agora, a orientar nossas próprias caminhadas.

O que buscais? Por trás destas palavras, Jesus desejava saber até onde queriam ir estes homens, e porque abandonavam o que lhes dava segurança em suas vidas. Porque deixavam seu antigo mestre, o Batista.

Jesus, que no Evangelho, ensinou com perguntas, volta-se também para cada um de nós, porque quer saber atrás de que coisas andamos. O que realmente, queremos? No nosso trabalho, na nossa família, quando vamos repousar ou quando discutimos política, o que procuramos? Vale à pena fazer o que estamos fazendo? Nosso caminhar nos leva a algum lugar?

O problema não é só pessoal. Também a sociedade como um todo o enfrenta. O que procura uma sociedade ? Quais são nossas metas como povo? Se queremos desenvolvimento, em que tipo de progresso estamos, de fato, interessados? Quando nos impomos – e, muito mais, quando nos impõem – sacrifícios, o que se pretende? Qual era nosso projeto verdadeiro quando nos decidimos voltar à democracia na América Latina? Queríamos liberdade, a igualdade de oportunidades e direitos, a justiça, a verdade?

As utopias e sonhos determinam uma parte importante de nossos esforços. Uma sociedade sem metas é uma sociedade estagnada. Do mesmo modo uma sociedade que proclama uns objetivos que, na realidade, não deseja, mais cedo ou mais tarde, se sentirá duramente decepcionada …

O ser humano é mestre em esconder-se, em camuflar seus desejos. Um dos primeiros frutos do pecado, que Adão provou foi sua necessidade de esconder-se. E Deus lhe foi ao encontro com uma pergunta dilacerante, que é um chamado à verdade: Adão, onde estais? (Gn 3,9). Chamou-o a ousar sair da moita que o escondia e enfrentar sua própria realidade. As ideologias, as meias verdades, as paixões humanas tornam muito difícil para o indivíduo e a sociedade terem ânimo de dizer, realmente, o que buscam….

Um dos grandes desafios educacionais de nosso tempo é ensinar a sonhar, a buscar, a ter metas, que valham à pena, e dar liberdade para que se possa dar início à caminhada. O que uma pessoa busca define o caminho a ser percorrido e, até, anuncia o que vai encontrar. A busca orienta a marcha. Que nada busca, não só andará errante, mas perde o rumo e não alcançará nenhuma meta.

Com inúmeras variantes, o ser humano tem traçado “o caminho real” de sua vida. Este caminho o fez sair de Deus, seu Criador, e o conduz até se encontrar, um dia, diante do rosto do Senhor, que é Pai e o fim de todos os cuidados. Se a senda escolhida não termina à porta de Deus, o ser humano terá errado a propósito de sua mais profunda vocação. Tudo o que ele tem, tudo o que ele é, tudo o que ele faz deve firmar seu passo para chagar a Deus.

Mas é muito bom ter em conta que, se estamos na busca, é porque, muito antes, nosso Senho anda nos procurando, como demonstrou já no Gênesis. É ele quem nos procura apaixonadamente, quem nos quer encontrar. Este encontro, contudo, nunca poderá se dar na liberdade se não nos pomos a caminho. Nunca ele desprezará nossa liberdade.

Consola constatar que todos os caminhos humanos, por errados que sejam, se cruzam, alguma vez, com o Caminho da Vida verdadeira, se temos coragem de reorientar nossos passos. Por isto é bom aceitar que ressoe em cada um de nós a pergunta de Jesus: O que buscais? Nunca é tarde para responder.

Fernando Montes, SJ
trad. R. Paiva, SJ

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2007

Caminhos

Você me pergunta
Aonde eu quero chegar
Se há tantos caminhos na vida
E pouca esperança no ar
E até a gaivota que voa
Já tem seu caminho no ar
O caminho do fogo é a água
O caminho do barco é o porto
O do sangue é o chicote
O caminho do reto é o torto
O caminho do bruxo é a nuvem
O da nuvem é o espaço
O da luz é o túnel
O caminho da fera é o laço
O caminho da mão é o punhal
O do santo é o deserto
O do carro é o sinal
O do errado é o certo
O caminho do verde é o cinzento
O do amor é o destino
O do cesto é o cento
O caminho do velho é o menino
O da água é a sede
O caminho do frio é o inverno
O do peixe é a rede
O do pio é o inferno
O caminho do risco é o sucesso
O do acaso é a sorte
O da dor é o amigo
O caminho da vida é a morte!

“E voce ainda me pergunta:
aonde é que eu quero chegar,
se há tantos caminhos na vida
e pouquíssima esperança no ar!
E até a gaivota que voa
já tem seu caminho no ar!”

O caminho do risco é o sucesso
O do acaso é a sorte
O da dor é o amigo
O caminho da vida é a morte!

Raul Seixas / Paulo Coelho

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2007

O ideal de uma religião universal

Unidade na variedade é o plano do Universo. Somos todos homens e ainda assim somos distintos uns dos outros. Como parte da humanidade sou uno com você, mas como Sr. Fulano de Tal sou diferente de você. Como homem você está separado do animal, mas como seres vivos, homem, mulher, animal e planta são todos unos; e como existência você é uno com todo o Universo. Essa existência universal é Deus, a Unidade última no Universo. Nele, todos nós somos um. Ao mesmo tempo, na manifestação, as diferenças têm de permanecer. Deverão sempre permanecer em nossas ações, em nossa capacidade enquanto se manifestam externamente. Vemos, então, que é completamente impossível a idéia de uma religião universal significar que toda a humanidade deve acreditar num único conjunto de doutrinas. Isto jamais poderá acontecer, nunca haverá tempo em que todos os rostos serão iguais. Insisto, se esperamos que haverá uma só mitologia universal, isso também é impossível, não pode ser assim. Tampouco poderá haver um único ritual universal. Tais coisas jamais virão a acontecer; se um dia pudessem existir, o mundo seria destruído porque a variedade é o primeiro princípio da vida.

O que nos dá o caráter de seres? A diferenciação. O equilíbrio perfeito seria nossa destruição. Suponha que a quantidade de calor nessa sala, cuja tendência é a difusão perfeita e uniforme, alcançasse este tipo de difusão, então, para todos os fins práticos, o calor deixaria de existir. O que torna o movimento possível nesse universo? A perda do equilíbrio. A unidade somente poderá existir quando este universo for destruído, caso contrário, tal fato é impossível. Não apenas isso, seria perigoso se acontecesse. Não devemos desejar que todos pensemos igual. Se assim fosse não haveria pensamento a ser pensado. Seríamos todos idênticos como múmias egípcias em um museu: umas frente às outras sem um pensamento sequer a ser pensado. É essa a diferenciação, essa perda de equilíbrio entre nós que representa a própria alma de nosso progresso, a alma de nossos pensamentos. E assim deverá prosseguir.

O que, então, quero dizer com o ideal de uma religião universal? Não pretendo nenhuma filosofia, mitologia ou ritual universal que seja idêntico para todos, porque sei que esse mundo deve continuar em funcionamento, essa complicada engrenagem, esse intrincado conjunto de maquinária por demais complexo e maravilhoso. O que podemos fazer então? Podemos fazer com que funcione suavemente, podemos diminuir o atrito como se engraxássemos as engrenagens. Como? Reconhecendo a necessidade natural da variedade. Da mesma forma como reconhecemos que a unidade é a nossa própria natureza, devemos reconhecer a multiplicidade. Temos de aprender que a verdade pode ser expressa em milhares de formas, e que cada uma delas é a verdadeira enquanto existir. Temos que aprender que a mesma coisa pode ser vista de uma centena de ângulos e, ainda assim, continuar sendo a mesma coisa… Através de uma filosofia superior ou inferior, através da mais exaltada mitologia ou da mais crassa, através do ritualismo refinado ou do fetichismo inqualificado, cada seita, cada alma, cada nação, cada religião, consciente ou inconscientemente, estão se esforçando para elevar-se em direção a Deus; cada visão que o homem tem na verdade, é uma visão d’Ele e de ninguém mais. Suponha que fôssemos buscar água num lago, cada qual com um recipiente nas mãos: um traz uma xícara, outro um pote, outro um balde, e assim por diante. No entanto, cada um de nós traria água e nada além de água em cada recipiente. O mesmo se dá com a religião. Nossas mentes são como esses recipientes e cada um de nós está se esforçando para chegar à realização de Deus. Deus é como a água que preenche os diferentes recipientes, e em cada um a visão de Deus vem no formato de seu recipiente. Ainda assim Ele é Um. Ele é Deus em todos os casos. Esse é o único reconhecimento da universalidade a que podemos chegar.

Trechos retirados de “The complete Works of Swami Vivekananda”, vol. 2, pp.38l-384. Advaita Ashrama, Calcutá, Índia