quinta-feira, 28 de setembro de 2006

Sobre a alegria e a tristeza

E depois uma mulher disse, Fala-nos da Alegria e da Tristeza.
E ele respondeu:
A vossa alegria é a vossa tristeza mascarada.
E o mesmo poço de onde sai o vosso riso esteve muitas vezes cheio de lágrimas.
E como poderá ser de outra maneira?
Quanto mais fundo a tristeza entrar no vosso ser, maior é a alegria que podereis conter.
A taça que contém o vosso vinho não é a mesma que foi feita no forno do oleiro?
E a lira que vos apazigua o espírito não é da mesma madeira com que foram esculpidas as facas?
Quando estiverdes alegres, olhai bem dentro do vosso coração e descobrireis que só aquele que vos deu tristezas vos dá também alegrias.
Quando estiverdes tristes, olhai novamente para dentro do vosso coração e vereis que na verdade estais a chorar por aquilo que foi a vossa alegria.
Alguns de vós dizeis, “A alegria é maior que a tristeza” e outros dirão “Não, a tristeza é maior”.
Mas eu digo-vos que são inseparáveis.
Juntas vêm, e, quando uma se senta junto de vós lembrai-vos que a outra está a dormir na vossa cama.
Na verdade, estais suspensos como balanças entre a vossa tristeza e a vossa alegria.
Só quando vos esvaziais ficais em equilíbrio e imóveis.
Quando o guardador de tesouros vos erguer para pesar o seu ouro e a sua prata, nem a vossa alegria nem a vossa tristeza se devem alterar.

O Profeta
Gibran Kalil Gibran

sexta-feira, 15 de setembro de 2006

Sobre estar sozinho

Não é apenas o avanço tecnológico que marcou o início deste milênio. As relações afetivas também estão passando por profundas transformações e revolucionando o conceito de amor.

O que se busca hoje é uma relação compatível com os tempos modernos, na qual exista individualidade, respeito, alegria e prazer de estar junto, e não mais uma relação de dependência, em que um responsabiliza o outro pelo seu bem-estar.

A idéia de uma pessoa ser o remédio para nossa felicidade, que nasceu com o romantismo está fadada a desaparecer neste início de século. O amor romântico parte da premissa de que somos uma fração e precisamos encontrar nossa outra metade para nos sentirmos completos.
Muitas vezes ocorre até um processo de despersonalização que, historicamente, tem atingido mais a mulher; ela abandona suas características, para se amalgamar ao projeto masculino.

A teoria da ligação entre opostos também vem dessa raiz: o outro tem de fazer o que eu não sei. Se sou manso, ele deve ser agressivo, e assim por diante. Uma idéia prática de sobrevivência, e pouco romântica, por sinal.

A palavra de ordem deste século é parceria.

Estamos trocando o amor de necessidade, pelo amor de desejo. Eu gosto e desejo a companhia, mas não preciso, o que é muito diferente.

Com o avanço tecnológico, que exige mais tempo individual, as pessoas estão perdendo o pavor de ficar sozinhas, e aprendendo a conviver melhor consigo mesmas. Elas estão começando a perceber que se sentem fração, mas são inteiras.

O outro, com o qual se estabelece um elo, também se sente uma fração. Não é príncipe ou salvador de coisa nenhuma. É apenas um companheiro de viagem.

O homem é um animal que vai mudando o mundo, e depois tem de ir se reciclando, para se adaptar ao mundo que fabricou. Estamos entrando na era da individualidade, o que não tem nada a ver com egoísmo.

O egoísta não tem energia própria; ele se alimenta da energia que vem do outro, seja ela financeira ou moral.

A nova forma de amor, ou mais amor, tem nova feição e significado. Visa à aproximação de dois inteiros, e não a união de duas metades. E ela só é possível para aqueles que conseguirem trabalhar sua individualidade. Quanto mais o indivíduo for competente para viver sozinho, mais preparado estará para uma boa relação afetiva.

A solidão é boa, ficar sozinho não é vergonhoso. Ao contrário, dá dignidade à pessoa.

As boas relações afetivas são ótimas, são muito parecidas com o ficar sozinho, ninguém exige nada de ninguém e ambos crescem. Relações de dominação e de concessões exageradas são coisas do século passado. Cada cérebro é único. Nosso modo de pensar e agir não serve de referência para avaliar ninguém.

Muitas vezes, pensamos que o outro é nossa alma gêmea e, na verdade, o que fizemos foi inventá-lo ao nosso gosto.

Todas as pessoas deveriam ficar sozinhas de vez em quando, para estabelecer um diálogo interno e descobrir sua força pessoal.

Na solidão, o indivíduo entende que a harmonia e a paz de espírito só podem ser encontradas dentro dele mesmo, e não a partir do outro.
Ao perceber isso, ele se torna menos crítico e mais compreensivo quanto às diferenças, respeitando a maneira de ser de cada um.
O amor de duas pessoas inteiras é bem mais saudável.

Nesse tipo de ligação, há o aconchego, o prazer da companhia e o respeito pelo ser amado.

Trecho do livro O mal, o bem e mais além
de Flávio Gikovate
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terça-feira, 12 de setembro de 2006

O mal necessário

Do modo como vejo as coisas, a grande limitação da psicologia (junguiana inclusive) e o motivo pelo qual ela ainda não conseguiu se tornar um verdadeiro sistema iniciático é a incapacidade que os psicólogos têm de conceber uma consciência desprovida de ego quando, na verdade, consciência e ego são duas coisas bem diferentes, que acabaram se fundindo por conta das necessidades intrínsecas da primeira metade do processo de individuação (daqui a pouco, eu falo mais sobre isso). Desse ponto-de-vista, o caminho iniciático é o longo (e quase sempre doloroso) processo de desfazer esse imbroglio, quebrando a identificação ilusória da consciência com o ego.

O ovo e a galinha – O motivo pelo qual é tão difícil para nós pensar na consciência como uma entidade separada do ego é que, pelo menos num primeiro momento, essa distinção não é empírica. Somente em alguns estados muito especiais, do tipo que costumamos classificar como experiências místicas, é que a consciência consegue ver o ego de fora, como algo que não é ela. Claro, o objetivo de toda iniciação ou desenvolvimento espiritual é fazer com que esses estados deixem de ser momentos excepcionais de epifania e se tornem uma condição permanente. Mas, no nosso nível habitual de funcionamento, aquele em que operamos no dia-a-dia, toda vez que a consciência pensa em si mesma, ela se vê como um eu individual.

Para piorar, devido à natureza limitada da linguagem, a consciência só pode se referir a si própria dizendo eu, o que apenas contribui para reforçar essa identificação. Determinar o que veio primeiro, o eu gramatical (como pensavam Nietzsche e Lacan) ou a ilusão do ego (como sugeriu Freud e parecem indicar as descobertas da neurociência sobre o funcionamento do cérebro), é uma questão do tipo o ovo ou a galinha e realmente não faz diferença. O fato é que, gerada pela estrutura da linguagem ou pelo modo de funcionamento do cérebro, a ilusão do ego acaba moldando nossa autoconsciência de uma forma que parece natural e é difícil superá-la.

Por exemplo, em seus comentários (de resto, altamente pertinentes), Rubens diz: “Penso que o problema não é propriamente o ego, mas sim a rigidez em que se encontra tomado.” Mas, em última análise, levando em conta o que eu falei aí em cima, o ego é essa rigidez. “Couraça de caráter” é uma expressão enganosa, porque o que o Reich descobriu é que a couraça não é uma capa externa que vem se acrescentar ao caráter. Pelo contrário, caráter é couraça e couraça é caráter. E o caráter é, afinal, outro nome que a gente dá para esse conjunto de traços de personalidade, comportamento e postura (física ou psicológica) que formam o complexo do ego.

O fotograma e o filme – A capacidade plástica a que o Rubens se refere em outro trecho não é um atributo do ego, mas da consciência pura. Falamos de “estados da consciência”, mas essa é outra frase mal-construída, porque a consciência não é um estado, nem mesmo uma soma de estados, e sim um processo fluido, em constante transformação. É isso, aliás, que o Buda quer dizer quando se refere à impermanência de todas as coisas, acrescentando que o corolário disso é a inexistência do ego.

O ego surge quando esse processo é, por assim dizer, congelado artificialmente, tornando-se um estado com o qual a consciência se identifica. Uma boa analogia para entender essa distinção é pensar na consciência como um filme e no ego como um fotograma isolado do filme. Quando interrompemos o andamento do filme, o fotograma deixa de ser parte de um movimento contínuo e se torna um quadro estático. O ego é esse quadro estático.

O problema é que, ao contrário do filme, o movimento da consciência nunca se interrompe de verdade. Então, quando a consciência se identifica com o ego, ela se aliena de si mesma, torna-se incapaz de acompanhar o seu próprio movimento interno. A consciência fica fora de fase. Acreditamos que somos permanentemente o que já não somos mais, o que fomos durante um breve intervalo, para imediatamente nos transformamos em outra coisa que não conseguimos perceber, porque nosso ponto-de-vista ficou parado lá atrás. A fila andou e nós não seguimos com ela. É nesse ponto que a impermanência torna-se causa de sofrimento, a terceira das características da existência descritas pelo Buda.

Solve et coagula – No entanto, se o ego não só é uma ilusão, mas ainda por cima uma ilusão prejudicial e dolorosa, como é que ele veio a se constituir? A resposta está na maneira pela qual a consciência vem a se diferenciar do inconsciente na primeira metade da vida, o que, desde Erich Neumann, os analistas junguianos tendem a considerar como a fase inicial do processo de individuação.
Inicialmente, não existe a consciência. Há apenas um estado inconsciente, no qual todos os conteúdos psíquicos estão mais ou menos fundidos num amálgama indiferenciado. A consciência é apenas um potencial contido nessa mistura caótica. Para que ela possa se atualizar (no sentido aristotélico, isto é, se tornar real, passar da potência ao ato), a consciência precisa se separar do inconsciente. Mas, para isso, é preciso criar um espaço dentro do qual ela possa emergir e se desenvolver. Esse espaço é o ego.
Os alquimistas costumavam dizer que a Grande Obra podia ser resumida na frase solve et coagula. O mesmo se aplica à individuação. A totalidade inconsciente precisa ser dissolvida para que a consciência possa se coagular. Na alquimia, essa operação requer um recipiente hermeticamente fechado, o vaso alquímico. É essa a função do ego na primeira metade da individuação, que vai mais ou menos até os 30 ou 40 anos: fornecer o que Jung chamava de temenos, um espaço sagrado, no interior do qual os processos psíquicos possam se desenvolver em liberdade. Esse espaço é sagrado porque, como mostrou Mircea Eliade, o sagrado é exatamente a separação ritual entre o caos e a ordem.

Destruir um mundo – Sim, o corolário disso é que, no início, enquanto a consciência está emergindo do inconsciente, o ego, o demiurgo, o futuro vilão e encarnação do demí´nio, tem um papel sagrado a cumprir. Se ele se tornará Satã é porque antes foi Lúcifer, o portador da luz da consciência.

Os alquimistas denominavam o vaso alquímico de ovo filosófico e, de fato, o ego pode ser visto como um ovo no interior do qual o embrião da consciência se desenvolve e toma forma, nutrindo-se da experiência personalizada que a perspectiva egóica fornece. Outra comparação pertinente é dizer que o ego é um casulo, e não é outra a razão pela qual os gregos representavam a psique com asas de borboleta.
Entretanto, os alquimistas também diziam que, no final da Grande Obra, o ovo filosófico se quebra, para que a pedra filosofal possa ser extraída de dentro dele. Se a borboleta não consegue romper o casulo, ela morre asfixiada e chega um momento em que a ave precisa quebrar a casca do ovo com o bico para poder nascer, o que Hermann Hesse exprimiu em uma bela passagem de seu primeiro romance iniciático, Demian: “A ave sai do ovo. O ovo é o mundo. Quem quiser nascer tem que destruir um mundo. A ave voa para Deus. E o deus se chama Abraxas.”

Felix culpa - Romper a totalidade inconsciente é romper a totalidade, ponto. Ao se separar do inconsciente indiferenciado, a consciência se separa de suas raízes arquetípicas. Assim, o nascimento da consciência é, necessariamente, um ato de alienação. Cria-se uma antítese, uma dualidade entre eu e não-eu, entre sujeito e objeto, que dá origem a todas as outras dualidades: bem e mal, certo e errado, masculino e feminino. É por isso que, quando o homem prova da árvore do Conhecimento, adquire a consciência, mas uma consciência dualista, e é expulso do paraíso.

Com isso, as paredes do ego, que protegem a consciência da invasão de conteúdos inconscientes, também são os muros de sua prisão. Em algum momento, esses muros terão de ser derrubados, a fim de que a totalidade possa ser restaurada em um novo nível. É esse o momento em que Lúcifer se torna Satã, o obstáculo, o opositor (em hebraico, shaitan): o ego deixa de ser um fator positivo de crescimento espiritual para se tornar uma casca ou couraça que impede a consciência de se expandir por meio da integração dos conteúdos arquetípicos do inconsciente, até atingir a plena realização do Si-mesmo.

Em resumo, o ego é necessário, mas é também um mal. É um mal necessário. A antiga teologia católica exprimia essa dupla valência do ego na doutrina da felix culpa, a culpa feliz, que até a década de 1960 encontrava-se incorporada no texto da missa em latim: O felix culpa quae talem et tantum meruit habere redemptorem. (”Ah, culpa feliz, que a tornou digna de um tal redentor.”) O redentor a que ela se refere é, claro, Cristo, mas em sentido simbólico é a consciência do Si-mesmo, o Atman hindu, ou seja, a consciência emancipada do ego, que realiza a totalidade psicofísica. A doutrina da felix culpa, aliás, não é exclusiva do cristianismo. Nós a encontramos no final de O Dibuk, de S. Ansky, um dos pontos altos da dramaturgia judaica e uma peça cheia de ressonâncias cabalísticas: “A própria queda continha em si a promessa da redenção.”

O Franco Atirador

terça-feira, 5 de setembro de 2006

Viver como flores

Mestre, como faço para não me aborrecer? Perguntou o discípulo.
Algumas pessoas falam demais, outras são ignorantes. Algumas são indiferentes. Sinto ódio das que são mentirosas. Sofro com as que caluniam.

Pois viva como as flores, advertiu o mestre!

Como é viver como as flores, perguntou o discípulo?

Repare nestas flores, continuou o mestre, apontando lírios que cresciam no jardim. Elas nascem no esterco, entretanto, são puras e perfumadas. Extraem do adubo malcheiroso tudo que lhes é útil e saudável, mas não permitem que o azedume da terra manche o frescor de suas pétalas. É justo angustiar-se com as próprias culpas, mas não é sábio permitir que os vícios dos outros o importunem.
Os defeitos deles são deles e não seus. Se não são seus, não há razão para aborrecimento.

Exercite, pois, a virtude de rejeitar todo mal que vem de fora. Isso é viver como as flores.

domingo, 3 de setembro de 2006

Contos

Olhando da Maneira Correta
Havia em uma aldeia uma senhora chamada de “mulher chorona” pois todos os dias, chovendo ou fazendo sol, sempre estava chorando. Ela vendia bolinhos na rua, e um monge sempre passava por ela quando ia ao templo para os ritos. Um dia, curioso, ele perguntou:
- Sempre que passo, seja em belos dias ensolarados, seja em suaves dias chuvosos, vejo a senhora chorando. Por que isso acontece?
- Tenho dois filhos,- ela respondeu – Um faz delicadas sandálias, o outro guarda-chuvas. Quando faz sol, penso que ninguém comprará os guarda-chuvas de meu filho, e ele e sua família vão passar necessidades. Quando chove, penso no meu filho que faz sandálias, e que ninguém vai comprá-las. Então ele também vai ter dificuldade para sustentar sua família.
O monge sorriu e disse:
- Mas… a senhora deveria ver as coisas da forma correta. Veja: quando o sol brilha, seu filho que faz sandálias venderá muito, e isso é muito bom! Quando chove, seu filho que faz guarda-chuvas venderá muito, e isso é também muito bom!
A velha olhou-o com alegria e exclamou:
- Tem razão!
Desde então a velha passou todos os dias, chovendo ou fazendo sol, sorrindo feliz.

Para que Servem as Palavras?
Um monge aproximou-se de seu mestre, que se encontrava em meditação no pátio do templo à luz da lua, com uma grande dávida:
- Mestre, aprendi que confiar nas palavras é ilusório; e diante das palavras, o verdadeiro sentido surge através do silêncio. Mas vejo que os sutras e as recitaçíµes são feitas de palavras; que o ensinamento é transmitido pela voz. Se o Dharma está além dos termos, porque os termos são usados para defini-lo?
O velho sábio respondeu:
- As palavras são como um dedo apontando para a Lua; cuida de saber olhar para a Lua, não se preocupe com o dedo que a aponta.
O monge replicou:
- Mas eu não poderia olhar a Lua, sem precisar que algum dedo alheio a indique?
- Poderia – confirmou o mestre – e assim tu o farás, pois ninguém mais pode olhar a lua por ti. As palavras são como bolhas de sabão: frágeis e inconsistentes, desaparecem quando em contato prolongado com o ar. A Lua está e sempre esteve à vista. O Dharma é eterno e completamente revelado. As palavras não podem revelar o que já está revelado desde o Primeiro Princípio.
- Então – o monge perguntou – por que os homens precisam que lhes seja revelado o que já é de seu conhecimento?
- Porque – completou o sábio – da mesma forma que ver a Lua todas as noites faz com que os homens se esqueçam dela pelo simples costume de aceitar sua existência como fato consumado, assim também os homens não confiam na Verdade já revelada pelo simples fato dela se manifestar em todas as coisas, sem distinção. Desta forma, as palavras são um subterfágio, um adorno para embelezar e atrair nossa atenção. E como qualquer adorno, pode ser valorizado mais do que é necessário.
O mestre ficou em silêncio durante muito tempo. Então, de sábito, simplesmente apontou para a lua.

Não Morri Ainda
O Imperador perguntou ao Mestre Gudo:
- O que acontece com um homem iluminado após a morte?
- Como eu poderia saber? – replicou Gudo.
- Porque o senhor é um mestre… não é? – respondeu o Imperador, um pouco surpreso.
- Sim Majestade,- disse Gudo suavemente – Mas ainda não sou um mestre morto.

Isso Passará
Um praticante foi até o seu professor de meditação, tristemente, e disse:
- Minha prática de meditação é horrível! Ou eu fico distraído, ou minhas pernas doem muito, ou eu constantemente fico com sono. É simplesmente horrível!!!
- Isso passará – o professor disse suavemente.
Uma semana depois, o estudante retornou ao seu professor, eufórico:
- Minha prática de meditação é maravilhosa! Eu sinto-me tão consciente, tão pacífico, tão relaxado, tão vivo! É simplesmente maravilhoso!!!
O mestre disse tranquilamente:
- Isso também passará.

A Taça de Ouro
Um rico imperador estava visitando seu reino quando encontrou uma vila muito pobre, e sentiu pena dos camponeses que lá viviam. Ordenou então que todos fossem para seu castelo, onde iriam tomar de seu chá imperial.
Ao chegarem lá, os camponeses se depararam com duas taças – uma comum, de barro, como as que eles mesmo tinham, e uma de ouro, com intrincados ornamentos e gemas preciosas.
O imperador perguntava à cada um deles em qual taça gostariam de beber. Todos os camponeses escolhiam a taça de ouro, e saíam muito satisfeitos de terem provado o chá imperial numa taça especial.
Então chegou a vez de um sábio monge beber. O imperador fez a mesma pergunta, e o monge escolheu a taça de barro.
O imperador pensou um pouco e disse ao monge:
- Você é um homem sábio. Ao contrário dos camponeses, que escolheram a beleza, você escolheu a taça de barro porque sabe que a beleza nada representa. Todos os camponeses, portanto, são tolos.
o monge respondeu:
- Eles não são tolos por escolherem a taça de ouro. Eles são pobres, e nunca haviam visto algo tão belo na vida, e irão contar aos filhos do dia em que puderam beber da taça de ouro do Imperador.
E o imperador perguntou:
- Mas e você, o que irá contar?
E o monge:
- Eu irei contar que poderia beber da taça de ouro e recusei.

Egoísmo
O Primeiro Ministro da Dinastia Tang era um herói nacional pelo seu sucesso tanto como homem de estado quanto como líder militar. Mas a despeito de sua fama, poder e riqueza, ele se considerava um humilde e devoto Buddhista. Frequentemente ele visitava seu mestre Châ-an favorito para estudar com ele, e eles pareciam se dar muito bem. O fato de que ele era primeiro ministro aparentemente não tinha efeito em sua relação, que parecia ser simplesmente a de um reverendo mestre e seu respeitoso estudante.
Um dia, durante sua visita usual, o Primeiro Ministro perguntou ao mestre, “Mestre, o que é o egoísmo de acordo com o Buddhismo?”
O rosto do mestre ficou vermelho, e num tom de voz extremamente desdenhoso e insultuoso ele gritou em resposta:
“Que tipo de pergunta estápida é esta?!?”
Tal resposta tão inesperada chocou tanto o Primeiro Ministro que este tornou-se imediatamente arrogante e com raiva:
“Como ousa me tratar assim?”
Neste momento o mestre Châ-an sorriu e disse:
“ISTO, Sua Excelência, é egoísmo…”

O Paraíso
Duas pessoas estavam perdidas no deserto. Elas estavam morrendo de inanição e sede. Finalmente, eles avistaram um alto muro. Do outro lado eles podiam ouvir o som de quedas d’água e pássaros cantando. Acima eles podiam ver os galhos de uma árvore frutífera atravessando e pendendo sobre o muro. Seus frutos pareciam deliciosos.
Um dos homens subiu o muro e desapareceu no outro lado.
O outro, em vez disso, saciou sua fome com as frutas que sobressaíam da árvore ali mesmo, e retornou ao deserto para ajudar outros perdidos a encontrar o caminho para o oásis.

Aranha
Um conto Tibetano fala de um estudante de meditação que, enquanto meditava em seu quarto, pensava ver uma assustadora aranha descendo à sua frente. A cada dia a criatura ameaçadora retornava cada vez maior em tamanho. Tão terrificado estava o estudante que finalmente foi ao seu professor para relatar o seu dilema:
“Não posso continuar meditando com tal ameaça sobre mim,” disse ele tremendo de pavor. “Vou guardar uma faca em meu colo durante a meditação, de forma que quando a aranha aparecer eu possa matá-la!”
O professor advertiu-o contra esta idéia:
“Não faça isso. Faça como eu lhe digo: leve um pedaço de carvão na sua meditação, e quando a aranha aparecer, marque um ‘X’ em sua barriga. Depois disso venha até mim.”
O estudante retornou à sua meditação. Quando a aranha novamente apareceu, ele lutou contra o impulso de atacá-la e em vez disso fez como o mestre sugeriu. Então correu para a sala de dele, gritando:
“Eu a marquei na barriga! Fiz o que me pediu! O que faço agora?”
O professor olhou-o e falou:
“Levante a tánica e olhe para sua própria barriga.”
Ao fazer isso, o estudante viu o “X” que havia feito.

Não tenho nada
Um jovem monge aproximou-se de Chao-chou muito orgulhoso e eufórico, e disse:
“Me desfiz de tudo o que tinha! Minhas mãos estão vazias e vim à vós com o coração sereno!”
“Então resta apenas desfazeres-te disso, e chegarás ao Zen.” Afirmou o mestre.
“Mas,” replicou o monge, “não tenho mais nada. Do que mais posso me desfazer?”
“Tudo bem,” comentou o sábio, “se tu queres manter o Nada que ainda carregas, fique com ele…”