domingo, 3 de setembro de 2006

Contos

Olhando da Maneira Correta
Havia em uma aldeia uma senhora chamada de “mulher chorona” pois todos os dias, chovendo ou fazendo sol, sempre estava chorando. Ela vendia bolinhos na rua, e um monge sempre passava por ela quando ia ao templo para os ritos. Um dia, curioso, ele perguntou:
- Sempre que passo, seja em belos dias ensolarados, seja em suaves dias chuvosos, vejo a senhora chorando. Por que isso acontece?
- Tenho dois filhos,- ela respondeu – Um faz delicadas sandálias, o outro guarda-chuvas. Quando faz sol, penso que ninguém comprará os guarda-chuvas de meu filho, e ele e sua família vão passar necessidades. Quando chove, penso no meu filho que faz sandálias, e que ninguém vai comprá-las. Então ele também vai ter dificuldade para sustentar sua família.
O monge sorriu e disse:
- Mas… a senhora deveria ver as coisas da forma correta. Veja: quando o sol brilha, seu filho que faz sandálias venderá muito, e isso é muito bom! Quando chove, seu filho que faz guarda-chuvas venderá muito, e isso é também muito bom!
A velha olhou-o com alegria e exclamou:
- Tem razão!
Desde então a velha passou todos os dias, chovendo ou fazendo sol, sorrindo feliz.

Para que Servem as Palavras?
Um monge aproximou-se de seu mestre, que se encontrava em meditação no pátio do templo à luz da lua, com uma grande dávida:
- Mestre, aprendi que confiar nas palavras é ilusório; e diante das palavras, o verdadeiro sentido surge através do silêncio. Mas vejo que os sutras e as recitaçíµes são feitas de palavras; que o ensinamento é transmitido pela voz. Se o Dharma está além dos termos, porque os termos são usados para defini-lo?
O velho sábio respondeu:
- As palavras são como um dedo apontando para a Lua; cuida de saber olhar para a Lua, não se preocupe com o dedo que a aponta.
O monge replicou:
- Mas eu não poderia olhar a Lua, sem precisar que algum dedo alheio a indique?
- Poderia – confirmou o mestre – e assim tu o farás, pois ninguém mais pode olhar a lua por ti. As palavras são como bolhas de sabão: frágeis e inconsistentes, desaparecem quando em contato prolongado com o ar. A Lua está e sempre esteve à vista. O Dharma é eterno e completamente revelado. As palavras não podem revelar o que já está revelado desde o Primeiro Princípio.
- Então – o monge perguntou – por que os homens precisam que lhes seja revelado o que já é de seu conhecimento?
- Porque – completou o sábio – da mesma forma que ver a Lua todas as noites faz com que os homens se esqueçam dela pelo simples costume de aceitar sua existência como fato consumado, assim também os homens não confiam na Verdade já revelada pelo simples fato dela se manifestar em todas as coisas, sem distinção. Desta forma, as palavras são um subterfágio, um adorno para embelezar e atrair nossa atenção. E como qualquer adorno, pode ser valorizado mais do que é necessário.
O mestre ficou em silêncio durante muito tempo. Então, de sábito, simplesmente apontou para a lua.

Não Morri Ainda
O Imperador perguntou ao Mestre Gudo:
- O que acontece com um homem iluminado após a morte?
- Como eu poderia saber? – replicou Gudo.
- Porque o senhor é um mestre… não é? – respondeu o Imperador, um pouco surpreso.
- Sim Majestade,- disse Gudo suavemente – Mas ainda não sou um mestre morto.

Isso Passará
Um praticante foi até o seu professor de meditação, tristemente, e disse:
- Minha prática de meditação é horrível! Ou eu fico distraído, ou minhas pernas doem muito, ou eu constantemente fico com sono. É simplesmente horrível!!!
- Isso passará – o professor disse suavemente.
Uma semana depois, o estudante retornou ao seu professor, eufórico:
- Minha prática de meditação é maravilhosa! Eu sinto-me tão consciente, tão pacífico, tão relaxado, tão vivo! É simplesmente maravilhoso!!!
O mestre disse tranquilamente:
- Isso também passará.

A Taça de Ouro
Um rico imperador estava visitando seu reino quando encontrou uma vila muito pobre, e sentiu pena dos camponeses que lá viviam. Ordenou então que todos fossem para seu castelo, onde iriam tomar de seu chá imperial.
Ao chegarem lá, os camponeses se depararam com duas taças – uma comum, de barro, como as que eles mesmo tinham, e uma de ouro, com intrincados ornamentos e gemas preciosas.
O imperador perguntava à cada um deles em qual taça gostariam de beber. Todos os camponeses escolhiam a taça de ouro, e saíam muito satisfeitos de terem provado o chá imperial numa taça especial.
Então chegou a vez de um sábio monge beber. O imperador fez a mesma pergunta, e o monge escolheu a taça de barro.
O imperador pensou um pouco e disse ao monge:
- Você é um homem sábio. Ao contrário dos camponeses, que escolheram a beleza, você escolheu a taça de barro porque sabe que a beleza nada representa. Todos os camponeses, portanto, são tolos.
o monge respondeu:
- Eles não são tolos por escolherem a taça de ouro. Eles são pobres, e nunca haviam visto algo tão belo na vida, e irão contar aos filhos do dia em que puderam beber da taça de ouro do Imperador.
E o imperador perguntou:
- Mas e você, o que irá contar?
E o monge:
- Eu irei contar que poderia beber da taça de ouro e recusei.

Egoísmo
O Primeiro Ministro da Dinastia Tang era um herói nacional pelo seu sucesso tanto como homem de estado quanto como líder militar. Mas a despeito de sua fama, poder e riqueza, ele se considerava um humilde e devoto Buddhista. Frequentemente ele visitava seu mestre Châ-an favorito para estudar com ele, e eles pareciam se dar muito bem. O fato de que ele era primeiro ministro aparentemente não tinha efeito em sua relação, que parecia ser simplesmente a de um reverendo mestre e seu respeitoso estudante.
Um dia, durante sua visita usual, o Primeiro Ministro perguntou ao mestre, “Mestre, o que é o egoísmo de acordo com o Buddhismo?”
O rosto do mestre ficou vermelho, e num tom de voz extremamente desdenhoso e insultuoso ele gritou em resposta:
“Que tipo de pergunta estápida é esta?!?”
Tal resposta tão inesperada chocou tanto o Primeiro Ministro que este tornou-se imediatamente arrogante e com raiva:
“Como ousa me tratar assim?”
Neste momento o mestre Châ-an sorriu e disse:
“ISTO, Sua Excelência, é egoísmo…”

O Paraíso
Duas pessoas estavam perdidas no deserto. Elas estavam morrendo de inanição e sede. Finalmente, eles avistaram um alto muro. Do outro lado eles podiam ouvir o som de quedas d’água e pássaros cantando. Acima eles podiam ver os galhos de uma árvore frutífera atravessando e pendendo sobre o muro. Seus frutos pareciam deliciosos.
Um dos homens subiu o muro e desapareceu no outro lado.
O outro, em vez disso, saciou sua fome com as frutas que sobressaíam da árvore ali mesmo, e retornou ao deserto para ajudar outros perdidos a encontrar o caminho para o oásis.

Aranha
Um conto Tibetano fala de um estudante de meditação que, enquanto meditava em seu quarto, pensava ver uma assustadora aranha descendo à sua frente. A cada dia a criatura ameaçadora retornava cada vez maior em tamanho. Tão terrificado estava o estudante que finalmente foi ao seu professor para relatar o seu dilema:
“Não posso continuar meditando com tal ameaça sobre mim,” disse ele tremendo de pavor. “Vou guardar uma faca em meu colo durante a meditação, de forma que quando a aranha aparecer eu possa matá-la!”
O professor advertiu-o contra esta idéia:
“Não faça isso. Faça como eu lhe digo: leve um pedaço de carvão na sua meditação, e quando a aranha aparecer, marque um ‘X’ em sua barriga. Depois disso venha até mim.”
O estudante retornou à sua meditação. Quando a aranha novamente apareceu, ele lutou contra o impulso de atacá-la e em vez disso fez como o mestre sugeriu. Então correu para a sala de dele, gritando:
“Eu a marquei na barriga! Fiz o que me pediu! O que faço agora?”
O professor olhou-o e falou:
“Levante a tánica e olhe para sua própria barriga.”
Ao fazer isso, o estudante viu o “X” que havia feito.

Não tenho nada
Um jovem monge aproximou-se de Chao-chou muito orgulhoso e eufórico, e disse:
“Me desfiz de tudo o que tinha! Minhas mãos estão vazias e vim à vós com o coração sereno!”
“Então resta apenas desfazeres-te disso, e chegarás ao Zen.” Afirmou o mestre.
“Mas,” replicou o monge, “não tenho mais nada. Do que mais posso me desfazer?”
“Tudo bem,” comentou o sábio, “se tu queres manter o Nada que ainda carregas, fique com ele…”

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