quinta-feira, 30 de novembro de 2006

Como se conhecer a si mesmo

Qual é a natureza do pensamento, e qual cessa quando há completa atenção e brota quando não há atenção? Você precisa compreender o que é estar alerta, de outro modo não será possível compreender completamente o significado da atenção.

Existe uma idéia da percepção alerta, ou você está alerta? Existe uma diferença entre a idéia de estar alerta e o estar alerta. Estar “alerta” implica ser sensível, perceber vivamente as coisas ao redor de você, a natureza, as pessoas, as cores, as arvores, o meio que o circunda, a estrutura social, econômica, as coisas em sua totalidade; implica conhecer, observar, estar sensivelmente atento a tudo quanto acontece no exterior; e também ao que acontece psicologicamente em seu interior.

Se não estamos internamente atentos, nos tornamos mais e mais neuróticos. Porém, se você começa a se dar conta, o quanto mais possível, do que exatamente está ocorrendo no mundo, e a partir daí se movimenta internamente, então existe o equilíbrio. Existe então uma possibilidade de não se enganar a si mesmo. Você começa pela atenção ao que acontece exteriormente, e depois se move interiormente – um movimento constante, como o fluxo e refluxo da maré – e, desse modo não existe a possibilidade de engano; desse modo existe discernimento.

Como se conhecer s i mesmo? Você mesmo é uma estrutura muito complexa, um movimento muito complexo; como se conhecer a si mesmo sem o auto-engano? Só podemos nos conhecer através da nossa relação com os outros. Nessa relação com os demais, pode ser que você se distancie deles porque não deseja ser machucado, e na relação você também pode descobrir que é muito ciumento, dependente, que está apegado e que na realidade é muito insensível. Por conseguinte, a relação funciona como um espelho no qual você se conhece a si mesmo. Igualmente ocorre externamente; o externo é um reflexo de você mesmo, porque a sociedade, os governos, todas estas coisas criadas pelos seres humanos, são fundamentalmente o mesmo que é você.

Para descobrir o que é a percepção alerta, devemos investigar a questão da ordem e da desordem. Você vê que exteriormente existe muitíssima desordem, confusão e insegurança. O que tem produzido esta insegurança, esta desordem? Quem é o responsável? Somos nós? Tem que estar muito claro se somos nós os responsáveis pela desordem externa; ou esta é alguma desordem divina pela qual haverá de surgir uma divina ordem? Portanto, se você se sente responsável pela desordem externa, essa desordem não é por acaso uma expressão da própria desordem interna?

Você observa que a desordem externa é criada por nossa desordem interna. Ainda que os seres humanos não tenham ordem em sí mesmos, sempre haverá desordem. Os governos podem procurar controlar a desordem externa; a expressão extrema é a forma totalitarista do marxismo – que diz saber o que é a ordem; e como você o sabe, eles lhe dirão o que você é e o reprimirá, o confinará em campos de concentração e em hospitais psiquiátricos, etc.

O mundo se encontra em desordem porque nós estamos em desordem, cada um de nós. Você se dá conta da sua desordem, ou tem somente um conceito da desordem? Percebemos claramente que estamos em desordem, ou essa é meramente uma idéia que nos foi sugerida e que a aceitamos? A aceitação de uma idéia é uma distração, uma distração “do que é”. A distração significa afastar-se “do que é” – e nós vivemos muito mais de idéias e nos afastamos dos fatos. Você está aceitando um conceito de desordem, ou percebe que a desordem encontra-se em você mesmo? Você compreende a diferença que existe entre ambos os fatos? E essa é uma percepção alerta per si, por si mesma?

O que entendemos por desordem? Existe contradição; pensamos em uma coisa e fazemos outra. Encontra-se a contradição dos desejos opostos, dos opostos requerimentos internos, dos movimentos que dentro de você se opõem entre si – a dualidade. Como surge esta dualidade? Não é porque somos incapazes de ver “o que é”? Você gostaria muito mais de escapar “do que é” para “o que deveria ser�, esperando de algum modo, por algum milagre, por um esforço da vontade, transformar “o que é” no “que deveria ser”. Ou seja: você se encontra com raiva e “não deveria” estar com raiva. Se você soubesse o que fazer com a raiva, como se entender com a raiva e seguir em frente, não haveria necessidade do “que deveria ser” – que é “não estar com raiva”. Se você pode compreender, se sabe o que fazer com “o que é”, não fugirá para “o que deveria ser”. Devido ao fato de não sabermos o que fazer com “o que é”, esperamos que inventando um ideal, de algum modo poderemos por meio do ideal modificar “o que é”. Ou, o motivo de que não podemos e não sabemos o que fazer, o cérebro se condiciona a viver sempre no futuro – “no que você espera ser”. Vivemos essencialmente no passado, porém, esperamos alterar o presente vivendo para um ideal futuro. Se você soubesse o que fazer com”o que é”, então, o futuro não importaria. Não se trata de aceitar “o que é”, senão, de permanecer com “o que é”.

Só podemos compreender algo se reparamos “no que é” e não tratamos de fugir disso, se não tratamos de converte-lo em outra coisa. É possível permanecer com “o que é”, observa-lo, vê-lo – e nada mais? Dou-me conta de que sou invejoso, porém isso não exerce ação alguma. A inveja é um sentimento, e eu tenho reparado nesse sentimento chamado inveja. A palavra não é a coisa; porém, posso estar confundindo a palavra com a coisa. Talvez me encontre envolvido nas palavras e não esteja com o fato – o fato de que sou invejoso. Isto é muito complexo; quem sabe seja a palavra o que incita esse sentimento. Pode a mente estar livre da palavra e reparar? A palavra tem se tornado tão importante me nossa vida! Sou por acaso o escravo das palavras – sabendo que a palavra não é a coisa? É que a palavra se tornou tão importante que para mim o fato não é real, não é factual? Eu preferiria reparar a fotografia de uma montanha a ir olhar a montanha diretamente; para isto, tenho que percorrer uma grande distância, tenho que escalar a montanha, contempla-la, senti-la. Olhar um quadro que representa uma montanha, é um olhar um símbolo; isso não é uma realidade. Estou preso em palavras, que são símbolos e, em conseqüência, me afasto da realidade? É a palavra o que cria o sentimento de inveja? – ou a inveja existe sem a palavra?

Isto requer uma tremenda disciplina, não a repressão. O mesmo ato de seguir a investigação, tem a sua própria disciplina. Portanto, tenho que averiguar muito cuidadosamente se a palavra tem criado o sentimento ou se o sentimento existe sem a palavra. A palavra é “inveja”, eu a nomeei antes quando experimentei esse sentimento, em conseqüência, estou registrando o sentimento presente conforme um acontecimento da mesma índole ocorrido no passado. De modo que o presente é absorvido pelo passado.

Por conseguinte, me dou conta do que estou fazendo. Dou-me conta de que a palavra se tornou extraordinariamente importante para mim. Existe, então, liberdade com respeito as palavras, cobiça, inveja, ou as palavras nacionalidade, comunista, socialista e assim sucessivamente – estou livre da palavra? A palavra pertence ao passado. O sentimento é o presente reconhecido pela palavra que procede do passado; assim, estou vivendo todo o tempo no passado. O passado é o eu. O passado é tempo; portanto, o tempo é o eu. O eu diz: “não devo ser rancoroso”, porque meu condicionamento diz: “não seja invejoso, não seja rancoroso”. O passado diz ao presente o que deve fazer. Portanto, existe uma contradição, porque fundamentalmente, muito profundamente, o passado está ditando os atos presentes. O eu, que é o passado com todas as suas recordações, seus condicionamentos, suas experiências – uma coisa produzida pelo pensamento -, o eu está ordenando o que deve ocorrer.

Posso, então, observar o fato da inveja, observa-la sem o passado? Pode haver uma observação da inveja sem nomeá-la, sem cair preso na palavra, havendo compreendido que a palavra pode criar o sentimento, então a palavra é o “eu” – que pertence ao passado e me diz: “Não seja invejoso”? É possível olhar “o que é”, olha-lo sem o eu, ou seja, sem o observador? Posso observar a inveja, o sentimento, e o modo em que este se realiza na ação, sem o observador, que é o passado?

“O que é” só pode ser observado quando não há “eu”. Vocês podem observar as cores e as formas que os rodeiam? Como os observam? Você observa por meio dos olhos. Observem sem mover os olhos; porque se você move os olhos, surge no cérebro toda a operação do pensar. E no momento em que o cérebro funciona, ocorre distorção. Observem algo sem mover os olhos e vejam como o cérebro se aquieta. Você observa então não só com os olhos, senão com toda sua atenção, com afeto. Então existe uma observação do fato – não a idéia senão o fato. Você aborda “o que é” fazendo-o com solicitude, com afeto; portanto, não ocorre juízo, não existe condenação; em conseqüência, você está livre dos opostos.

Krishnamurti
A Totalidade da Vida - The Wholeness of Life – 1977

quarta-feira, 29 de novembro de 2006

Contos

Carregando

Um velho monge e um jovem monge estavam andando por uma estrada quando chegaram a um rio que corria veloz. O rio não era nem muito largo nem muito fundo, e os dois estavam prestes a atravessá-lo quando uma bela jovem, que esperava na margem, aproximou-se deles. A moça estava vestida com muita elegância, abanava o leque e piscava muito, sorrindo com olhos muito grandes.

- Oh – disse ela, a correnteza é tão forte, a água é tão fria, e a seda do meu quimono vai se estragar se eu o molhar. Será que vocês poderiam me carregar até o outro lado do rio?

E ela se insinuou sedutora para o lado do monge mais jovem.

O jovem monge não gostou do comportamento daquela moça mimada e despudorada. Achou que ela merecia uma lição. Além do mais, monges não devem se envolver com mulheres. Então ele a ignorou e atravessou o rio. Mas o monge mais velho deu de ombros, ergueu a moça e a carregou nas costas até o outro lado do rio. Depois os dois monges continuaram pela estrada.

Embora andassem em silêncio, o monge mais novo estava furioso. Achava que o companheiro tinha cometido um erro ao ceder aos caprichos daquela moça mimada. E, pior ainda, ao tocá-la tinha desobedecido as regras dos monges. O jovem reclamava e vociferava mentalmente, enquanto eles caminhavam subindo montanhas e atravessando campos. Finalmente, ele não agüentou. Aos gritos, começou a repreender o companheiro por ter atravessado o rio carregando a moça. Estava fora de si, com o rosto vermelho de tanta raiva.

- Ora, ora, – disse o velho monge. – Você ainda está carregando aquela mulher? Eu já a pus no chão há uma hora.

E, dando de ombros, continuou a caminhar.


Autenticidade


Numa vila do Tibete, chega a notícia de que o filho de um grande Mestre budista acaba de morrer.

Seus discípulos e seguidores acorrem à casa do Mestre, para oferecer a ele as condolências.

Ao chegarem à casa do Mestre, encontram-no no jardim, chorando.

Ficam todos atônitos. Pensavam que, se haveria alguém capaz de encarar com equanimidade a morte de um ente querido, seria o Mestre.

Confusos, eles perguntam:

- Mestre, porque o senhor chora?

Com lágrimas nos olhos, o Mestre os olha e diz:

- Eu estou chorando porque o meu filho morreu e eu estou triste.

terça-feira, 21 de novembro de 2006

Curiositas

O sentido clássico de curiositas consiste em algo muito mais sério do que a nossa curiosidade, essa inocente desorientação na periferia do ser humano; a curiositas á um descontrole fundamental, um afã louco de sensações da pessoa que perdeu a capacidade de habitar em si mesma, que se pôs em fuga do próprio eu e que, com asco da devastação que observa em seu coração, se desespera numa procura com um medo egoísta, e se dissipa por mil caminhos frustrados.

Josef Pieper

segunda-feira, 20 de novembro de 2006

Morrer é preciso

Nós estamos acostumados a ligar a palavra morte apenas à ausência de vida e isso é um erro.

Existem outros tipos de morte e precisamos morrer todo dia. A morte nada mais é do que uma passagem, uma transformação. Não existe planta sem a morte da semente, não existe embrião sem a morte do óvulo e do esperma, não existe borboleta sem a morte da lagarta, isso é óbvio! A morte nada mais é do que o ponto de partida para o início de algo novo.

“É a fronteira entre o passado e o futuro…”
Se você quer ser um bom universitário, mate dentro de você o secundarista aéreo que acha que ainda tem muito tempo pela frente.

Quer ser um bom profissional?
Então mate dentro de você o universitário descomprometido que acha que a vida se resume a estudar só o suficiente para fazer as provas.

Quer ter um bom relacionamento?
Então mate dentro de você o jovem inseguro, ciumento, crítico, exigente, imaturo, egoísta ou o solteiro solto que pensa poder fazer planos sozinho, sem ter que dividir espaços, projetos e tempo com mais ninguém.

Quer ter boas amizades??
Então mate dentro de si a pessoa insatisfeita ou descompromissada, que só pensa em si mesmo.

Mate a vontade de tentar manipular as pessoas de acordo com a sua conveniência.

Respeite seus amigos, colegas de trabalho, vizinhos.

Enfim, todo processo de evolução exige que matemos o nosso “eu” passado, inferior.

E, qual o risco de não agirmos assim?
O risco está em tentarmos ser duas pessoas ao mesmo tempo, perdendo o nosso foco, comprometendo essa produtividade, e, por fim, prejudicando nosso sucesso. Muitas pessoas não evoluem porque ficam se agarrando ao que eram, não se projetam para o que serão ou desejam ser. Elas querem a nova etapa, sem abrir mão da forma como pensavam ou como agiam. Acabam se transformando em projetos acabados, híbridos, adultos infantilizados.

Podemos até agir, às vezes, como meninos, de tal forma que não matemos as virtudes de criança que também são necessárias a nós, adultos, como: brincadeira, sorriso fácil, vitalidade, criatividade, tolerância etc. Mas, se quisermos ser adultos, devemos necessariamente matar atitudes infantis, para passarmos a agir como ADULTOS.

Quer ser alguém (líder, profissional, pai ou mãe, cidadão ou cidadã, amigo ou amiga) melhor e mais evoluído? Então, o que você precisa matar em si, ainda hoje,é o “egoísmo” e o “egocentrismo”, para que nasça o SER que você tanto deseja ser !!

Pense nisso e morra! Mas, ….não esqueça de nascer melhor ainda!

Paulo Angelim

segunda-feira, 13 de novembro de 2006

O verdadeiro Diabo

O verdadeiro diabo não é rabudo nem tem chifres. Não é vermelhinho nem anda com tridente algum. No entanto, espeta como ninguém, principalmente quando usa a auto-culpa das pessoas como meio comum para suas estocadas ocultas.

Não, o verdadeiro diabo não é ostensivo, pelo contrário, é discreto demais, mas é radical em seus propósitos.

Ele age na calada oculta do ego, sempre estimulando as reações extremadas, mesmo aquelas disfarçadas de causas justa, ou aquelas revestidas de aparente raciocínio crítico. Ele gosta dos corações empedernidos no ódio e das mentes ressequidas de orgulho.

O verdadeiro diabo não criou inferno algum, pois ele já o encontrou plasmado dentro das pessoas cheias de medo e culpa. E, para sua própria surpresa, descobriu que o tal inferno não é um lugar, mas um estado de consciência, mantido pelas próprias pessoas. E ainda mais: descobriu que ali não é quente, pelo contrário, é um clima sombrio e frio, sem o calor da luz e sem o viço da alegria.

Pois é, o inferno é um estado de consciência, e o diabo não é uma entidade maléfica &agrave parte do ser humano, nem mesmo um ser criado por Deus.

Não mesmo!

O verdadeiro diabo se chama IGNORÂNCIA, e as pessoas o adoram, principalmente os fundamentalistas de qualquer área, seja religiosa, técnica ou espiritualista, que simplesmente são os seus maiores divulgadores.

Esse é o diabo que precisa ser exorcizado dos homens: a ignorância em qualquer de suas manifestações.

Wagner Borges