sexta-feira, 30 de setembro de 2005

Estatuto do Homem

Ato Institucinal Permanente

Artigo I – Fica decretado que agora vale a verdade. Agora vale a vida, e de mãos dadas, marcharemos todos pela vida verdadeira.

Artigo II – Fica decretado que todos os dias da semana, inclusive as terças-feiras mais cinzentas, têm direito a converter-se em manhãs de domingo.

Artigo III – Fica decretado que, a partir deste instante, haverá girassóis em todas as janelas, que os girassóis terão direito a abrir-se dentro da sombra; e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro, abertas para o verde onde cresce a esperança.

Artigo IV – Fica decretado que o homem não precisará nunca mais duvidar do homem. Que o homem confiará no homem como a palmeira confia no vento, como o vento confia no ar, como o ar confia no campo azul do céu.
Parágrafo único:
O homem, confiará no homem como um menino confia em outro menino.

Artigo V – Fica decretado que os homens estão livres do jugo da mentira.
Nunca mais será preciso usar a couraça do silêncio nem a armadura de palavras.
O homem se sentará à mesa com seu olhar limpo porque a verdade passará a ser servida antes da sobremesa.

Artigo VI – Fica estabelecida, durante dez séculos, a prática sonhada pelo profeta Isaías, e o lobo e o cordeiro pastarão juntos e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.

Artigo VII – Por decreto irrevogável fica estabelecido o reinado permanente da justiça e da claridade, e a alegria será uma bandeira generosa para sempre desfraldada na alma do povo.

Artigo VIII – Fica decretado que a maior dor sempre foi e será sempre não poder dar-se amor a quem se ama
e saber que é a água que dá à planta o milagre da flor.

Artigo IX – Fica permitido que o pão de cada dia tenha no homem o sinal de seu suor. Mas que sobretudo tenha sempre o quente sabor da ternura.

Artigo X – Fica permitido a qualquer pessoa, qualquer hora da vida, uso do traje branco.

Artigo XI – Fica decretado, por definição, que o homem é um animal que ama e que por isso é belo, muito mais belo que a estrela da manhã.

Artigo XII – Decreta-se que nada será obrigado nem proibido, tudo será permitido, inclusive brincar com os rinocerontes e caminhar pelas tardes com uma imensa begônia na lapela.
Parágrafo único:
Só uma coisa fica proibida: amar sem amor.

Artigo XIII – Fica decretado que o dinheiro não poderá nunca mais comprar o sol das manhãs vindouras. Expulso do grande baú do medo, o dinheiro se transformará em uma espada fraternal para defender o direito de cantar e a festa do dia que chegou.

Artigo Final – Fica proibido o uso da palavra liberdade, a qual será suprimida dos dicionários e do pântano enganoso das bocas. A partir deste instante a liberdade será algo vivo e transparente como um fogo ou um rio, e a sua morada será sempre o coração do homem.

Thiago de Mello
Santiago do Chile, abril de 1964

segunda-feira, 26 de setembro de 2005

Tanto e tão pouco

Você não pode mais pensar como cristãos, budistas, hindus, e muçulmanos. Nós estamos enfrentando uma crise tremenda que os políticos nunca podem resolver porque eles são programados para pensar em um modo particular. Nem pode os cientistas entender ou resolver a crise; nem ainda o mundo de negócios, o mundo de dinheiro. O ponto decisivo, a decisão perceptiva, o desafio, não está na política, na religião, no mundo científico. Está em nossa consciência.


Se houver apenas cinco pessoas que queiram escutar, que queiram viver, que tenham a face voltada para a eternidade, será o suficiente. De que servem milhares que não compreendem, completamente imbuídos de preconceitos, que não desejam o novo(…)? Gostaria que todos os que queiram compreender sejam livres, não para me seguir, não para fazer de mim uma gaiola, que se torne uma religião, uma seita. Deverão estar livres de todos os temores (…), do medo da espiritualidade, do medo do amor, do medo da morte, do medo da própria vida.
Quem falou isso?

Provavelmente seu autor não estaria muito preocupado em ter seu nome revelado, afinal, o que realmente importa é o seu conteúdo, é a mensagem revolucionária que este homem que viveu entre nós trouxe e que, poucos quiseram ouvir.
Talvez o seu nome seja muito estranho, seus hábitos diferentes dos nossos, os motivos são muitos para desacreditar e para fazer com ele o que já foi feito com tantos outros. Crucificá-lo.
Como ele, tantos vieram e falaram sobre a mesma coisa. Pregaram nas praças, nos mercados, nas sinagogas e o resultado foi sempre o mesmo. Incompreensão, zombaria, incredulidade, raiva e pouco, muito pouco entendimento.
Criaram religiões, seitas, doutrinas, ordens, filosofias e quando olhamos ao nosso redor, vemos que o mundo está um caos.
Me pergunto a razão disso tudo.
A humanidade possui dezenas de denominações religiosas e um número inversamente proporcional de valores morais.
A saída para isso não está nas religiões, não está nos santos, nos profetas, nas escrituras, nos textos, nos messias; eles estão mortos ou são meras palavras ou conceitos. A saída está em nós mesmos e é exatamente isso o que tantos falaram, e nós, ao invés de seguir suas palavras, nos perdemos em conjecturas vazias e infrutíferas, motivados por egos inflados e doentes de orgulho e egoísmo.
É mais fácil e confortável acreditar em algo fora de nós, em uma salvação externa que nos alcançará do que em nós mesmos. Ninguém que ter responsabilidades, muito menos em relação a si mesmo. O mérito é meu, mas a culpa é dele!
Então, como diria JIDDU KRISHNAMURTI: (ops…falei o nome!) “Deverão estar livres de todos os temores (…), do medo da espiritualidade, do medo do amor, do medo da morte, do medo da própria vida.”
Viva a liberdade! Sem medos, sem culpas e sem dúvidas!

sexta-feira, 9 de setembro de 2005

Sócrates e os sofistas

Nas Memórias de Sócrates, Xenofonte relembra uma conversa em que o sofista Antifon mostra a Sócrates que o fruto que ele, Sócrates, estava colhendo da filosofia era simplesmente infelicidade - a bebida mais barata, o alimento mais pobre, uma túnica surrada, usada de verão a inverno, e nenhum manto, nenhum calçado. Tudo isso porque ele se recusava a cobrar por seus ensinamentos, desdenhando o dinheiro, que é uma alegria em si, capaz de tornar alguém independente e mais feliz. E como um professor sempre tenta fazer com que seus alunos o imitem, Sócrates devia ser, segundo Antifon, um professor de infelicidade. Sócrates respondeu da seguinte maneira:

Antifon, minha vida lhe parece tão miserável, que tenho certeza de que você preferiria a morte a levar uma vida como a minha. Vamos lá, vamos pensar juntos qual é o problema que você vê em minha vida. Será pelo fato de que os que cobram dinheiro são obrigados a executar o trabalho pelo qual são pagos, enquanto que eu, por me recusar a cobrar, não sou obrigado a falar com ninguém, a menos que queira? Ou você considera meu alimento pobre porque ele seja menos saudável ou menos nutritivo que o seu? ou porque minhas provisíµes sejam mais difíceis de obter que as suas, que são mais raras ou mais caras? ou porque sua dieta seja mais saborosa que a minha? Sabe você que, quanto maior o prazer de comer, menor a necessidade de tempero? quanto maior o prazer de beber, menor o desejo pelas bebidas que não estão ao nosso alcance? E quanto í s túnicas, elas precisam ser trocadas, você sabe, por causa do frio ou do calor. E os sapatos são usados como uma proteção para os pés contra a dor e a dificuldade de andar. Agora, você já me viu ficar em casa mais do que os outros por causa do frio, ou disputar com qualquer homem um lugar na sombra, devido ao calor, ou deixar de andar para qualquer lugar por estar com os pés doendo? Sabe você que através de treinamento um indivíduo franzino pode vir a ser melhor em qualquer forma de exercício que pratique e adquirir mais resistência do que o prodígio de músculos que negligencia o treino? Vendo, então, que estou sempre treinando meu corpo para responder a todo e qualquer estímulo que exija suas forças, não acha você que posso suportar qualquer esforço melhor que você que não tem treino? Para evitar a escravidão do estômago, ou do sono, ou da luxúria, você acha que existe melhor remédio que a posse de outros prazeres, prazeres maiores, que são deliciosos, não só para se gozá-los no momento, mas também porque suscitam a esperança de um benefício duradouro? E, ainda, você certamente sabe que é infeliz aquele que pensa que nada dá certo para ele, enquanto que aquele que acredita que será bem sucedido no cultivo da terra ou na navegação, ou em qualquer outro negócio que empreenda, é feliz em seu pensamento de prosperidade. Pois bem, você acha que existe algo tão prazeroso quanto o pensamento:"estou crescendo em bondade e estou tornando melhores meus amigos?" E isso, posso afirmar, é meu pensamento constante. Além disso, se a cidade ou os amigos precisarem de ajuda, quem dos dois tem mais disponibilidade para suprir suas necessidades, aquele que vive como eu vivo, ou aquele cuja vida você considera feliz? Qual dos dois vai achar a vida militar mais fácil, aquele que não consegue existir sem o alimento caro ou aquele que se contenta com o que consegue obter? Qual dos dois, quando sitiado, se renderá primeiro, o que deseja fugir do que lhe é penoso ou o que consegue se sair bem com o que tem í mão? Parece que você acha, Antifon, que a felicidade consiste na luxúria e na extravagância. Mas eu creio que não ter necessidades é divino; ter o mínimo possível vem em seguida ao divino; e como o divino é a própria perfeição, quem mais se aproxima do divino mais próximo está da perfeição. – (Xenofonte, Memoráveis)

Texto extraí­do do site Filosofia e Idéias

quinta-feira, 8 de setembro de 2005

Sobre as virtudes - O Amor

Continuando com o Amor...

Não nascemos virtuosos, mas nos tornamos. Como? Pela educação: pela polidez, pela moral, pelo amor. A polidez, como vimos, é um simulacro de moral: agir polidamente é agir como se fôssemos virtuosos. Pelo que a moral começa, no ponto mais baixo, imitando essa virtude que lhe falta e de que no entanto, pela educação, ele se aproxima e nos aproxima. A polidez, numa vida bem conduzida, tem por isso cada vez menos importância, ao passo que a moral tem cada vez mais. É o que os adolescentes descobrem e nos fazem lembrar. Mas isso é apenas o início de um processo, que não poderia deter-se aí. A moral, do mesmo modo, é um simulacro de amor: agir moralmente é agir como se amássemos. Pelo que a moral advém e continua, imitando esse amor que lhe falta, que nos falta, e de que no entanto, pelo hábito, pela interiorização, pela sublimação, ela também se aproxima e nos aproxima, a ponto í s vezes de se abolir nesse amor que a atrai, que a justifica e a dissolve. Agir bem é, antes de tudo, fazer o que se faz (polidez), depois o que se deve fazer (moral), enfim, í s vezes, é fazer o que se quer, por pouco que se ame (ética). Como a moral liberta da polidez consumando-a (somente o homem virtuoso não precisa mais agir como se o fosse), o amor, que consuma por sua vez a moral, dela nos liberta: somente quem ama não precisa mais agir como se amasse. É o espírito dos Evangelhos ("Ama e faz o que quiseres"), pelo que Cristo nos liberta da Lei, explica Spinoza, não a abolindo, como queria estupidamente Nietzsche, mas consumando-a ("Não vim para revogar, vim para cumprir"), isto é, comenta Spinoza, confirmando-a e inscrevendo-a para sempre "no fundo dos corações". A moral é esse simulacro de amor, pelo qual o amor, que dela nos liberta, se torna possível. Ela nasce da polidez e tende ao amor; ela nos faz passar de uma a outro. É por isso que, mesmo austera, mesmo desagradável, nós a amamos.

Texto extraído do livro Pequeno Tratado das Grandes Virtudes
De André Comte-Sponville

segunda-feira, 5 de setembro de 2005

Paz

Aos nossos mais implacáveis adversários, diremos: “Corresponderemos à vossa capacidade de nos fazer sofrer com a nossa capacidade de suportar o sofrimento. Iremos ao encontro da vossa força física com a nossa força do espírito. Fazei-nos o que quiserdes e continuaremos a amar-vos. O que não podemos, em boa consciência, é acatar as vossas leis injustas, pois tal como temos obrigação moral de cooperar com o bem, também temos a de não cooperar com o mal. Podeis prender-nos e amar-vos-emos ainda. Assaltais as nossas casas e ameaçais os nossos filhos, e continuaremos a amar-vos. Enviais os vossos embuçados perpetradores da violência para espancar a nossa comunidade quando chega a meia-noite, e, quase mortos, amar-vos-emos ainda. Tendes, porém, a certeza de que acabareis por ser vencidos pela nossa capacidade de sofrimento. E quando um dia alcançarmos a vitória, ela não será só para nós; tanto apelaremos para a vossa consciência e para o vosso coração que vos conquistaremos também, e a nossa vitória será dupla vitória”. O amor é a força mais perdurável do mundo. Este poder criador, tão belamente exemplificado na vida de nosso Senhor Jesus Cristo, é o instrumento mais poderoso e eficaz para a paz e a segurança da humanidade. Diz-se que Napoleão Bonaparte, o grande gênio militar, recordando a sua anterior época e conquistas, teria observado: “Tanto Alexandre como César, Carlos Magno ou eu próprio, criamos grandes impérios. Mas onde se apoiaram eles? Unicamente na força. Jesus, há séculos, iniciou a construção de um império fundado no amor, e vemos hoje ainda milhões de pessoas que morrem por Ele”. Ninguém pode duvidar da veracidade dessas palavras. Os grandes chefes militares do passado desapareceram, os seus impérios ruíram e desfizeram-se em cinza; mas o império de Jesus, edificado solidamente e majestosamente nos alicerces do amor, continua a progredir. Começou por um punhado de homens dedicados que, inspirados pelo Senhor, conseguiram abalar as muralhas do Império Romano e levar o Evangelho ao mundo todo. Hoje, o reino de Cristo na terra compreende mais de um bilhão de pessoas e reúne todas as nações ou tribos.

Martin Luther King Jr.
Texto na í­ntegra

domingo, 4 de setembro de 2005

Insatisfação

Se quisermos nos liberar da insatisfação constante, teremos que compreender a natureza do desejo para sermos capazes de ter prazer diante da satisfação!

O budismo nos ensina que o problema não se encontra em nossos objetos de desejo, mas sim nas convicções que temos a respeito deles. Se as qualidades dos objetos de desejo fossem próprias deles, eles nos despertariam sempre as mesmas sensações. No entanto, o que eu hoje considero como algo profundamente atraente, em outro momento posso vir a sentir repugnância. Todos nós já experimentamos desejo e aversão por uma mesma pessoa. Ou seja, a primeira coisa que devemos ter em mente é que nada existe por si só, tudo resulta de nossas percepções.

Neste sentido, a origem da insatisfação de um desejo está em nosso hábito de nos apegarmos aos prazeres sensoriais como se eles fossem algo real e, portanto, constante. Quantas qualidades ilusórias atribuímos às coisas e às pessoas, pensando que elas poderiam existir por elas mesmas independentemente de nossos humores!

Reconhecer que nossas projeções são exageradas, sem dúvida é um passo importante. No entanto, isto não significa cultivar um olhar neutro em relação ao tudo e a todos. Pois tal postura representa outra projeção ilusória, apenas disfarçada por um mecanismo de defesa da negação. O ponto é simples, no entanto tão profundo que em geral encontramos dificuldade de reconhecê-lo. Por isso vamos repassá-lo: sofremos de insatisfação por que atribuímos aos nossos objetos de desejo qualidades que não estão neles, mas sim em nossa mente! Mas como não nos damos conta de tal erro, continuamos buscando fora o que está dentro de nós!

O passo seguinte para nos libertarmos da insatisfação consiste em renunciar a esta visão errônea. Sem dúvida, este é um processo longo e complexo, pois isto significa nos libertar de um hábito extremamente arraigado: buscar felicidade constante em algo ou em pessoas que, em essência, são transitórias.

É importante compreender que renúncia não significa abandonar o prazer ou negar a felicidade, mas sim abandonar nossas expectativas que algo será capaz de nos satisfazer constantemente. O budismo tibetano não condena o prazer, como se ele fosse a origem de nossos pecados. Aliás, a palavra pecado nem existe no vocabulário tibetano. O que esta filosofia nos alerta é que a origem de nosso sofrimento está no modo de pensar ávido e exagerado.

Texto de Bel Cesar
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