domingo, 31 de dezembro de 2006

É com Deus

É com Deus que eu tomo Daime
E com Deus eu chego lá
Porque Deus é quem me ensina
Tudo que eu tenho que saber

Carlinhos

terça-feira, 26 de dezembro de 2006

Viajantes

Na vida há dois tipos de viajantes:

Aqueles que olham o mapa e aqueles que olham o espelho.
Os que olham no mapa estão viajando…
Os que olham no espelho estão voltando pra casa.

Do filme O Tempero da Vida

terça-feira, 19 de dezembro de 2006

Laranjeira dá laranja

A semente que uso pra pensar na questão do Ser é que laranjeira dá laranja. Pode parecer óbvio, mas é por isto que brota. O natural é o que é. A laranjeira é laranjeira porque pensa laranja, sente laranja e age laranja. Sua natureza é o que é, laranjeira. Se uma pessoa não gosta de laranja, se xinga a árvore de filha de jaca, nem por isto a laranjeira se aborrece, ou então, começa a dar abacates. Laranjeira dá laranja. Mas nós, árvores humanas, somos estranhas. Pensamos uma fruta, sentimos outra, e realizamos uma terceira, completamente diferente das duas anteriores. Certa vez, negociando com um amigo pé de boi, notei que o safado sempre puxava a sardinha pro lado dele. Eu lhe critiquei: “Você é muito egoísta”. Ele respondeu sem casca: “Sim, sou, porque, você não é?”. Ele quebrou minhas pernas, meu tronco e meu nariz de Pinóquio. Não sabia o que responder. Fui obrigado a abrir os olhos e ver que minha árvore estava nua. O pobre diabo estava apenas sendo o que era, enquanto eu, com a aureola de São Francisco de Assis na cabeça, estava me disfarçando de lichia.

Marcelo Ferrari

quinta-feira, 14 de dezembro de 2006

Deus e os loucos

Porque Cristo não me enviou para batizar, mas para pregar o evangelho; não em sabedoria de palavras, para não se tornar vã a cruz de Cristo.
Porque a palavra da cruz é deveras loucura para os que perecem; mas para nós, que somos salvos, é o poder de Deus.
Porque está escrito: Destruirei a sabedoria dos sábios, e aniquilarei a sabedoria o entendimento dos entendidos.
Onde está o sábio? Onde o escriba? Onde o questionador deste século? Porventura não tornou Deus louca a sabedoria deste mundo?
Visto como na sabedoria de Deus o mundo pela sua sabedoria não conheceu a Deus, aprouve a Deus salvar pela loucura da pregação os que crêem.
Pois, enquanto os judeus pedem sinal, e os gregos buscam sabedoria,nós pregamos a Cristo crucificado, que é escândalo para os judeus, e loucura para os gregos,mas para os que são chamados, tanto judeus como gregos, Cristo, poder de Deus, e sabedoria de Deus.
Porque a loucura de Deus é mais sábia que os homens; e a fraqueza de Deus é mais forte que os homens.
Ora, vede, irmãos, a vossa vocação, que não são muitos os sábios segundo a carne, nem muitos os poderosos. nem muitos os nobres que são chamados.
Pelo contrário, Deus escolheu as coisas loucas do mundo para confundir os sábios; e Deus escolheu as coisas fracas do mundo para confundir as fortes;e Deus escolheu as coisas ignóbeis do mundo, e as desprezadas, e as que não são, para reduzir a nada as que são;para que nenhum mortal se glorie na presença de Deus.

1 Corítios 17:29

terça-feira, 12 de dezembro de 2006

A explicação da galinha

Olá, eu sou “a” galinha. Sim, eu sou a primeira, aquela que botou o ovo em que todos vocês estão contidos. Estou aqui pra esclarecer e acabar de uma vez por todos com esta polêmica que tem torturado e tirado o sono de muitos filósofos e pensadores: “Quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha?”. A resposta é simples: quem nasceu primeiro fui eu, é claro! Antes de mim, nem antes tinha. Será que é tão dificil entender isto? A polemica só se estende porque vocês insistem em cantar de galo. Sejam mais humildes! O que vocês precisam admitir é que se vocês são minha imagem e semelhança, logo, vocês são o ovo. E se vocês são o ovo, logo, eu sou a galinha. Óbvio também, não é? Outro equivoco que quero desfazer, é desta crença de que eu botei vocês em 7 dias (sabe-se lá quando) e depois os abandonei ciscando pelo universo. Por favor, vocês é que precisam abandar esta crença. Vocês, e tudo que existe, mesmo aquilo que existe mas vocês não podem compreender, são o que eu chamo de ovo bumerangue. Ou seja, eu boto tudo que existe num instante, mas retiro tudo sem que percebam, para que eu possa re-botar de novo no instante seguinte. Assim, eu não abandono vocês nunca, nem por um instante, pois este movimento de entrar e sair da minha cloaca, é a própria mola do relógio da vida do universo. Bem, estando estas questões devidamente explicadas, vou me retirando de ovo.

Marcelo Ferrari

segunda-feira, 11 de dezembro de 2006

Se Voltares

Como o sândalo humilde que perfuma
o ferro do machado que lhe corta,
hei de ter a minh’alma sempre morta
mas não me vingarei de coisa alguma.

Se algum dia, perdida pela bruma,
resolveres bater à minha porta,
em vez da humilhação que desconforta
terás um leito sobre um chão de pluma.

Em troca dos desgostos que me deste,
mais carinhos terás do que tiveste
e meus beijos serão multiplicados…

Para os que voltam, pelo amor vencidos,
a vingança maior dos ofendidos
é saber abraçar os humilhados.

Rogaciano Leite

Sereias

Ulisses retornou à ilha de Circe, e assim que Elpenor foi adequadamente sepultado, Circe deu a Ulisses mais instruções para a sua jornada e para prepará-lo para os males que ainda estavam por vir. O navio velejou primeiro para a ilha das Sereias, terríveis criaturas com cabeças e vozes de mulheres, mas com corpos de pássaros, que existiam com o propósito de atrair marinheiros para as rochas de sua ilha com doces canções. Quando o barco se aproximou, uma calmaria mortal se abateu sobre o mar, e a tripulação utilizou os remos. De acordo com as instruções de Circe, Ulisses tampou os ouvidos da tripulação com cera, enquanto ele próprio foi amarrado ao mastro, de modo que pudesse passar a salvo pelo perigo e ainda ouvir a canção. “Venha para perto, Ulisses”, cantavam as Sereias: Ulisses gritou para seus homens para que o soltassem, mas remaram resolutamente para a frente, e o perigo acabou passando.

Odisséia
Homero

sexta-feira, 8 de dezembro de 2006

Questões metafísicas

O Buda sempre disse a seus discípulos para eles não perderem tempo e energia em especulação metafísica. Sempre que um questão metafísica lhe era dirigida, ele permanecia em silêncio. No lugar disso, dirigia seus discípulos aos esforços práticos. Questionado um dia sobre o problema do caráter infinito do mundo, o Buda disse: “Se o mundo é finito ou infinito, limitado ou ilimitado, o problema da sua liberação continua o mesmo”.

Outra vez, disse: “Imagine que um homem é atingido por uma flecha envenenada e o médico quer remover a flecha imediatamente. Imagine que o homem não quer a flecha removida até que ele saiba quem atirou, sua idade, quem são seus pais e por que ele atirou. O que iria acontecer? Se ele esperasse até que essas perguntas fossem respondidas, morreria antes”. A vida é tão curta. Ela não deve ser gasta em especulação metafísica sem fim que não nos traz nada perto da verdade.

segunda-feira, 4 de dezembro de 2006

Amor

Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o címbalo que retine.

E ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse amor, nada seria.

E ainda que distribuísse todos os meus bens para sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, e não tivesse amor, nada disso me aproveitaria.

O amor é sofredor, é benigno; o amor não é invejoso; o amor não se vangloria, não se ensoberbece, não se porta inconvenientemente, não busca os seus próprios interesses, não se irrita, não suspeita mal; não se regozija com a injustiça, mas se regozija com a verdade; tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.

O amor jamais acaba; mas havendo profecias, serão aniquiladas; havendo línguas, cessarão; havendo ciência, desaparecerá; porque, em parte conhecemos, e em parte profetizamos; mas, quando vier o que é perfeito, então o que é em parte será aniquilado.

Quando eu era menino, pensava como menino; mas, logo que cheguei a ser homem, acabei com as coisas de menino.

Porque agora vemos como por espelho, em enigma, mas então veremos face a face; agora conheço em parte, mas então conhecerei plenamente, como também sou plenamente conhecido.
Agora, pois, permanecem a fé, a esperança, o amor, estes três; mas o maior destes é o amor.

1 Coríntios: 13

quinta-feira, 30 de novembro de 2006

Como se conhecer a si mesmo

Qual é a natureza do pensamento, e qual cessa quando há completa atenção e brota quando não há atenção? Você precisa compreender o que é estar alerta, de outro modo não será possível compreender completamente o significado da atenção.

Existe uma idéia da percepção alerta, ou você está alerta? Existe uma diferença entre a idéia de estar alerta e o estar alerta. Estar “alerta” implica ser sensível, perceber vivamente as coisas ao redor de você, a natureza, as pessoas, as cores, as arvores, o meio que o circunda, a estrutura social, econômica, as coisas em sua totalidade; implica conhecer, observar, estar sensivelmente atento a tudo quanto acontece no exterior; e também ao que acontece psicologicamente em seu interior.

Se não estamos internamente atentos, nos tornamos mais e mais neuróticos. Porém, se você começa a se dar conta, o quanto mais possível, do que exatamente está ocorrendo no mundo, e a partir daí se movimenta internamente, então existe o equilíbrio. Existe então uma possibilidade de não se enganar a si mesmo. Você começa pela atenção ao que acontece exteriormente, e depois se move interiormente – um movimento constante, como o fluxo e refluxo da maré – e, desse modo não existe a possibilidade de engano; desse modo existe discernimento.

Como se conhecer s i mesmo? Você mesmo é uma estrutura muito complexa, um movimento muito complexo; como se conhecer a si mesmo sem o auto-engano? Só podemos nos conhecer através da nossa relação com os outros. Nessa relação com os demais, pode ser que você se distancie deles porque não deseja ser machucado, e na relação você também pode descobrir que é muito ciumento, dependente, que está apegado e que na realidade é muito insensível. Por conseguinte, a relação funciona como um espelho no qual você se conhece a si mesmo. Igualmente ocorre externamente; o externo é um reflexo de você mesmo, porque a sociedade, os governos, todas estas coisas criadas pelos seres humanos, são fundamentalmente o mesmo que é você.

Para descobrir o que é a percepção alerta, devemos investigar a questão da ordem e da desordem. Você vê que exteriormente existe muitíssima desordem, confusão e insegurança. O que tem produzido esta insegurança, esta desordem? Quem é o responsável? Somos nós? Tem que estar muito claro se somos nós os responsáveis pela desordem externa; ou esta é alguma desordem divina pela qual haverá de surgir uma divina ordem? Portanto, se você se sente responsável pela desordem externa, essa desordem não é por acaso uma expressão da própria desordem interna?

Você observa que a desordem externa é criada por nossa desordem interna. Ainda que os seres humanos não tenham ordem em sí mesmos, sempre haverá desordem. Os governos podem procurar controlar a desordem externa; a expressão extrema é a forma totalitarista do marxismo – que diz saber o que é a ordem; e como você o sabe, eles lhe dirão o que você é e o reprimirá, o confinará em campos de concentração e em hospitais psiquiátricos, etc.

O mundo se encontra em desordem porque nós estamos em desordem, cada um de nós. Você se dá conta da sua desordem, ou tem somente um conceito da desordem? Percebemos claramente que estamos em desordem, ou essa é meramente uma idéia que nos foi sugerida e que a aceitamos? A aceitação de uma idéia é uma distração, uma distração “do que é”. A distração significa afastar-se “do que é” – e nós vivemos muito mais de idéias e nos afastamos dos fatos. Você está aceitando um conceito de desordem, ou percebe que a desordem encontra-se em você mesmo? Você compreende a diferença que existe entre ambos os fatos? E essa é uma percepção alerta per si, por si mesma?

O que entendemos por desordem? Existe contradição; pensamos em uma coisa e fazemos outra. Encontra-se a contradição dos desejos opostos, dos opostos requerimentos internos, dos movimentos que dentro de você se opõem entre si – a dualidade. Como surge esta dualidade? Não é porque somos incapazes de ver “o que é”? Você gostaria muito mais de escapar “do que é” para “o que deveria ser�, esperando de algum modo, por algum milagre, por um esforço da vontade, transformar “o que é” no “que deveria ser”. Ou seja: você se encontra com raiva e “não deveria” estar com raiva. Se você soubesse o que fazer com a raiva, como se entender com a raiva e seguir em frente, não haveria necessidade do “que deveria ser” – que é “não estar com raiva”. Se você pode compreender, se sabe o que fazer com “o que é”, não fugirá para “o que deveria ser”. Devido ao fato de não sabermos o que fazer com “o que é”, esperamos que inventando um ideal, de algum modo poderemos por meio do ideal modificar “o que é”. Ou, o motivo de que não podemos e não sabemos o que fazer, o cérebro se condiciona a viver sempre no futuro – “no que você espera ser”. Vivemos essencialmente no passado, porém, esperamos alterar o presente vivendo para um ideal futuro. Se você soubesse o que fazer com”o que é”, então, o futuro não importaria. Não se trata de aceitar “o que é”, senão, de permanecer com “o que é”.

Só podemos compreender algo se reparamos “no que é” e não tratamos de fugir disso, se não tratamos de converte-lo em outra coisa. É possível permanecer com “o que é”, observa-lo, vê-lo – e nada mais? Dou-me conta de que sou invejoso, porém isso não exerce ação alguma. A inveja é um sentimento, e eu tenho reparado nesse sentimento chamado inveja. A palavra não é a coisa; porém, posso estar confundindo a palavra com a coisa. Talvez me encontre envolvido nas palavras e não esteja com o fato – o fato de que sou invejoso. Isto é muito complexo; quem sabe seja a palavra o que incita esse sentimento. Pode a mente estar livre da palavra e reparar? A palavra tem se tornado tão importante me nossa vida! Sou por acaso o escravo das palavras – sabendo que a palavra não é a coisa? É que a palavra se tornou tão importante que para mim o fato não é real, não é factual? Eu preferiria reparar a fotografia de uma montanha a ir olhar a montanha diretamente; para isto, tenho que percorrer uma grande distância, tenho que escalar a montanha, contempla-la, senti-la. Olhar um quadro que representa uma montanha, é um olhar um símbolo; isso não é uma realidade. Estou preso em palavras, que são símbolos e, em conseqüência, me afasto da realidade? É a palavra o que cria o sentimento de inveja? – ou a inveja existe sem a palavra?

Isto requer uma tremenda disciplina, não a repressão. O mesmo ato de seguir a investigação, tem a sua própria disciplina. Portanto, tenho que averiguar muito cuidadosamente se a palavra tem criado o sentimento ou se o sentimento existe sem a palavra. A palavra é “inveja”, eu a nomeei antes quando experimentei esse sentimento, em conseqüência, estou registrando o sentimento presente conforme um acontecimento da mesma índole ocorrido no passado. De modo que o presente é absorvido pelo passado.

Por conseguinte, me dou conta do que estou fazendo. Dou-me conta de que a palavra se tornou extraordinariamente importante para mim. Existe, então, liberdade com respeito as palavras, cobiça, inveja, ou as palavras nacionalidade, comunista, socialista e assim sucessivamente – estou livre da palavra? A palavra pertence ao passado. O sentimento é o presente reconhecido pela palavra que procede do passado; assim, estou vivendo todo o tempo no passado. O passado é o eu. O passado é tempo; portanto, o tempo é o eu. O eu diz: “não devo ser rancoroso”, porque meu condicionamento diz: “não seja invejoso, não seja rancoroso”. O passado diz ao presente o que deve fazer. Portanto, existe uma contradição, porque fundamentalmente, muito profundamente, o passado está ditando os atos presentes. O eu, que é o passado com todas as suas recordações, seus condicionamentos, suas experiências – uma coisa produzida pelo pensamento -, o eu está ordenando o que deve ocorrer.

Posso, então, observar o fato da inveja, observa-la sem o passado? Pode haver uma observação da inveja sem nomeá-la, sem cair preso na palavra, havendo compreendido que a palavra pode criar o sentimento, então a palavra é o “eu” – que pertence ao passado e me diz: “Não seja invejoso”? É possível olhar “o que é”, olha-lo sem o eu, ou seja, sem o observador? Posso observar a inveja, o sentimento, e o modo em que este se realiza na ação, sem o observador, que é o passado?

“O que é” só pode ser observado quando não há “eu”. Vocês podem observar as cores e as formas que os rodeiam? Como os observam? Você observa por meio dos olhos. Observem sem mover os olhos; porque se você move os olhos, surge no cérebro toda a operação do pensar. E no momento em que o cérebro funciona, ocorre distorção. Observem algo sem mover os olhos e vejam como o cérebro se aquieta. Você observa então não só com os olhos, senão com toda sua atenção, com afeto. Então existe uma observação do fato – não a idéia senão o fato. Você aborda “o que é” fazendo-o com solicitude, com afeto; portanto, não ocorre juízo, não existe condenação; em conseqüência, você está livre dos opostos.

Krishnamurti
A Totalidade da Vida - The Wholeness of Life – 1977

quarta-feira, 29 de novembro de 2006

Contos

Carregando

Um velho monge e um jovem monge estavam andando por uma estrada quando chegaram a um rio que corria veloz. O rio não era nem muito largo nem muito fundo, e os dois estavam prestes a atravessá-lo quando uma bela jovem, que esperava na margem, aproximou-se deles. A moça estava vestida com muita elegância, abanava o leque e piscava muito, sorrindo com olhos muito grandes.

- Oh – disse ela, a correnteza é tão forte, a água é tão fria, e a seda do meu quimono vai se estragar se eu o molhar. Será que vocês poderiam me carregar até o outro lado do rio?

E ela se insinuou sedutora para o lado do monge mais jovem.

O jovem monge não gostou do comportamento daquela moça mimada e despudorada. Achou que ela merecia uma lição. Além do mais, monges não devem se envolver com mulheres. Então ele a ignorou e atravessou o rio. Mas o monge mais velho deu de ombros, ergueu a moça e a carregou nas costas até o outro lado do rio. Depois os dois monges continuaram pela estrada.

Embora andassem em silêncio, o monge mais novo estava furioso. Achava que o companheiro tinha cometido um erro ao ceder aos caprichos daquela moça mimada. E, pior ainda, ao tocá-la tinha desobedecido as regras dos monges. O jovem reclamava e vociferava mentalmente, enquanto eles caminhavam subindo montanhas e atravessando campos. Finalmente, ele não agüentou. Aos gritos, começou a repreender o companheiro por ter atravessado o rio carregando a moça. Estava fora de si, com o rosto vermelho de tanta raiva.

- Ora, ora, – disse o velho monge. – Você ainda está carregando aquela mulher? Eu já a pus no chão há uma hora.

E, dando de ombros, continuou a caminhar.


Autenticidade


Numa vila do Tibete, chega a notícia de que o filho de um grande Mestre budista acaba de morrer.

Seus discípulos e seguidores acorrem à casa do Mestre, para oferecer a ele as condolências.

Ao chegarem à casa do Mestre, encontram-no no jardim, chorando.

Ficam todos atônitos. Pensavam que, se haveria alguém capaz de encarar com equanimidade a morte de um ente querido, seria o Mestre.

Confusos, eles perguntam:

- Mestre, porque o senhor chora?

Com lágrimas nos olhos, o Mestre os olha e diz:

- Eu estou chorando porque o meu filho morreu e eu estou triste.

terça-feira, 21 de novembro de 2006

Curiositas

O sentido clássico de curiositas consiste em algo muito mais sério do que a nossa curiosidade, essa inocente desorientação na periferia do ser humano; a curiositas á um descontrole fundamental, um afã louco de sensações da pessoa que perdeu a capacidade de habitar em si mesma, que se pôs em fuga do próprio eu e que, com asco da devastação que observa em seu coração, se desespera numa procura com um medo egoísta, e se dissipa por mil caminhos frustrados.

Josef Pieper

segunda-feira, 20 de novembro de 2006

Morrer é preciso

Nós estamos acostumados a ligar a palavra morte apenas à ausência de vida e isso é um erro.

Existem outros tipos de morte e precisamos morrer todo dia. A morte nada mais é do que uma passagem, uma transformação. Não existe planta sem a morte da semente, não existe embrião sem a morte do óvulo e do esperma, não existe borboleta sem a morte da lagarta, isso é óbvio! A morte nada mais é do que o ponto de partida para o início de algo novo.

“É a fronteira entre o passado e o futuro…”
Se você quer ser um bom universitário, mate dentro de você o secundarista aéreo que acha que ainda tem muito tempo pela frente.

Quer ser um bom profissional?
Então mate dentro de você o universitário descomprometido que acha que a vida se resume a estudar só o suficiente para fazer as provas.

Quer ter um bom relacionamento?
Então mate dentro de você o jovem inseguro, ciumento, crítico, exigente, imaturo, egoísta ou o solteiro solto que pensa poder fazer planos sozinho, sem ter que dividir espaços, projetos e tempo com mais ninguém.

Quer ter boas amizades??
Então mate dentro de si a pessoa insatisfeita ou descompromissada, que só pensa em si mesmo.

Mate a vontade de tentar manipular as pessoas de acordo com a sua conveniência.

Respeite seus amigos, colegas de trabalho, vizinhos.

Enfim, todo processo de evolução exige que matemos o nosso “eu” passado, inferior.

E, qual o risco de não agirmos assim?
O risco está em tentarmos ser duas pessoas ao mesmo tempo, perdendo o nosso foco, comprometendo essa produtividade, e, por fim, prejudicando nosso sucesso. Muitas pessoas não evoluem porque ficam se agarrando ao que eram, não se projetam para o que serão ou desejam ser. Elas querem a nova etapa, sem abrir mão da forma como pensavam ou como agiam. Acabam se transformando em projetos acabados, híbridos, adultos infantilizados.

Podemos até agir, às vezes, como meninos, de tal forma que não matemos as virtudes de criança que também são necessárias a nós, adultos, como: brincadeira, sorriso fácil, vitalidade, criatividade, tolerância etc. Mas, se quisermos ser adultos, devemos necessariamente matar atitudes infantis, para passarmos a agir como ADULTOS.

Quer ser alguém (líder, profissional, pai ou mãe, cidadão ou cidadã, amigo ou amiga) melhor e mais evoluído? Então, o que você precisa matar em si, ainda hoje,é o “egoísmo” e o “egocentrismo”, para que nasça o SER que você tanto deseja ser !!

Pense nisso e morra! Mas, ….não esqueça de nascer melhor ainda!

Paulo Angelim

segunda-feira, 13 de novembro de 2006

O verdadeiro Diabo

O verdadeiro diabo não é rabudo nem tem chifres. Não é vermelhinho nem anda com tridente algum. No entanto, espeta como ninguém, principalmente quando usa a auto-culpa das pessoas como meio comum para suas estocadas ocultas.

Não, o verdadeiro diabo não é ostensivo, pelo contrário, é discreto demais, mas é radical em seus propósitos.

Ele age na calada oculta do ego, sempre estimulando as reações extremadas, mesmo aquelas disfarçadas de causas justa, ou aquelas revestidas de aparente raciocínio crítico. Ele gosta dos corações empedernidos no ódio e das mentes ressequidas de orgulho.

O verdadeiro diabo não criou inferno algum, pois ele já o encontrou plasmado dentro das pessoas cheias de medo e culpa. E, para sua própria surpresa, descobriu que o tal inferno não é um lugar, mas um estado de consciência, mantido pelas próprias pessoas. E ainda mais: descobriu que ali não é quente, pelo contrário, é um clima sombrio e frio, sem o calor da luz e sem o viço da alegria.

Pois é, o inferno é um estado de consciência, e o diabo não é uma entidade maléfica &agrave parte do ser humano, nem mesmo um ser criado por Deus.

Não mesmo!

O verdadeiro diabo se chama IGNORÂNCIA, e as pessoas o adoram, principalmente os fundamentalistas de qualquer área, seja religiosa, técnica ou espiritualista, que simplesmente são os seus maiores divulgadores.

Esse é o diabo que precisa ser exorcizado dos homens: a ignorância em qualquer de suas manifestações.

Wagner Borges

domingo, 29 de outubro de 2006

Torne-se um lago

O velho Mestre pediu a um jovem triste que colocasse uma mão cheia de sal em um copo d’água e bebesse.
“Qual é o gosto?” perguntou o Mestre.
“Ruim” disse o aprendiz.
O Mestre sorriu e pediu ao jovem que pegasse outra mão cheia de sal e levasse a um lago.
Os dois caminharam em silêncio e o jovem jogou o sal no lago, então o velho disse:
“Beba um pouco dessa água”.
Enquanto a água escorria do queixo do jovem, o Mestre perguntou:
“Qual é o gosto?”
“Bom!” disse o rapaz.
“Você sente o gosto do sal?” Perguntou o Mestre.
“Não” disse o jovem.
O Mestre então sentou ao lado do jovem, pegou sua mão e disse:
“A dor na vida de uma pessoa é inevitável. Mas o sabor da dor depende de onde a colocamos. Então, quando você sofrer, a única coisa que você deve fazer é aumentar a percepção das coisas boas que você tem na vida.
Deixe de ser um copo. Torne-se um lago”.

segunda-feira, 23 de outubro de 2006

De quem é a culpa

Um budista leigo estava andando pela margem de um rio quando viu um barqueiro empurrando uma barca em direção ao rio, para que ele pudesse atravessar alguns passageiros.
Aconteceu de um mestre Châ-an (o mesmo que Zen no Japão) passar por perto. O budista leigo aproximou-se do Mestre e perguntou: “Mestre, aquele barqueiro matou diversos caranguejos e camarões pequenos enquanto estava empurrando sua barca para o rio. A culpa é dos passageiros ou do barqueiro?”.
O Mestre retorquiu sem hesitar: “A culpa não é nem dos passageiros nem do barqueiro!”
O budista leigo não entendeu, por isso perguntou novamente: “Se a culpa não é de nenhum deles, então de quem é?”
O Mestre replicou incisivamente: “A culpa é sua!”.

Flores e arroz

Um sujeito estava colocando flores no túmulo de um parente, quando vê um chinês deixando um prato de arroz na lápide ao lado. Ele se vira para o chinês e pergunta:

- Desculpe, mas o senhor acha mesmo, que o defunto virá comer o arroz?

E o chinês responde:

- Sim, quando o seu vier cheirar as flores…

segunda-feira, 9 de outubro de 2006

Mantra

Quando não tiver mais nada
Nem chão, nem escada
Escudo ou espada
O seu coração… Acordará

Quando estiver com tudo
Lã, cetim, veludo
Espada e escudo
Sua consciência… Adormecerá

E acordará no mesmo lugar
Do ar até o arterial
No mesmo lar, no mesmo quintal
Da alma ao corpo material

Hare Krishna Hare Krishna
Krishna Krishna
Hare Hare
Hare Rama Hare Rama
Rama Rama
Hare Hare

Quando não se têm mais nada
Não se perde nada
Escudo ou espada
Pode ser o que se for… Livre do temor

Hare Krishna Hare Krishna
Krishna Krishna
Hare Hare
Hare Rama Hare Rama
Rama Rama
Hare Hare

Quando se acabou com tudo
Espada e escudo
Forma e conteúdo
Já então agora dá… Para dar amor

Amor dará e receberá
Do ar, pulmão; da lágrima, sal
Amor dará e receberá
Da luz, visão do tempo espiral

Amor dará e receberá
Do braço, mão; da boca, vogal
Amor dará e receberá
Da morte o seu guia natal

Adeus dor

Hare Krishna Hare Krishna
Krishna Krishna
Hare Hare
Hare Rama Hare Rama
Rama Rama
Hare Hare

Nando Reis / Arnaldo Antunes

quinta-feira, 5 de outubro de 2006

Desfazendo equívocos

Se você quer milagres, não procure o buddhismo. O supremo milagre para o buddhismo é você lavar seu prato depois de comer.

Se você quer curar seu corpo físico, não procure o buddhismo. O buddhismo só cura os males de sua mente: ignorância, cólera e desejos desenfreados.

Se você quiser arranjar emprego ou melhorar sua situação financeira, não procure o buddhismo. Você se decepcionará, pois ele vai lhe falar sobre desapego em relação aos bens materiais. Não confunda, porém, desapego com renúncia.

Se você quer poderes sobrenaturais, não procure o buddhismo. Para o buddhismo, o maior poder sobrenatural é o triunfo sobre o egoísmo.

Se você quer triunfar sobre seus inimigos, não procure o buddhismo. Para o buddhismo, o único triunfo que conta é o do homem sobre si mesmo.

Se você quer a vida eterna em um paraíso de delícias, não procure o buddhismo, pois ele matará seu ego aqui e agora.

Se você quer massagear seu ego com poder, fama, elogios e outras vantagens, não procure o buddhismo. A casa de Buddha não é a casa da inflação dos egos.

Se você quer a proteção divina, não procure o buddhismo. Ele lhe ensinará que você só pode contar consigo mesmo.

Se você quer um caminho para Deus, não procure o buddhismo. Ele o lançará no vazio.

Se você quer alguém que perdoe suas falhas, deixando-o livre para errar de novo, não procure o buddhismo, pois ele lhe ensinará a implacável Lei de Causa e Efeito e a necessidade de uma autocrítica consciente e profunda.

Se você quer respostas cômodas e fáceis para suas indagações existenciais, não procure o buddhismo. Ele aumentará suas dúvidas.

Se você quer uma crença cega, não procure o buddhismo. Ele o ensinará a pensar com sua própria cabeça.

Se você é dos que acham que a verdade está nas escrituras, não procure o buddhismo. Ele lhe dirá que o papel é muito útil para limpar o lixo acumulado no intelecto.

Se você quer saber a verdade sobre os discos voadores ou sobre a civilização de Atlântida, não procure o buddhismo. Ele só revelará a verdade sobre você mesmo.

Se você quer se comunicar com espíritos, não procure o buddhismo. Ele só pode ensinar você a se comunicar com seu verdadeiro eu.

Se você quer conhecer suas encarnações passadas, não procure o buddhismo. Ele só pode lhe mostrar sua miséria presente.

Se você quer conhecer o futuro, não procure o buddhismo. Ele só vai lhe mandar prestar atenção a seus pés, enquanto você anda.

Se você quer ouvir palavras bonitas, não procure o buddhismo. Ele só tem o silêncio a lhe oferecer.

Se você quer ser sério e austero, não procure o buddhismo. Ele vai ensiná-lo a brincar e a se divertir.

Se você quer brincar e se divertir, não procure o buddhismo. Ele o ensinará a ser sério e austero.

Se você quer viver, não procure o buddhismo, pois ele o ensinará a morrer.

Se você quer morrer, não procure o buddhismo, pois ele o ensinará a viver.

Reverenda Yvonette Silva Gonçalves
Buddha Amitabha – O Buddhismo da Terra Pura

quinta-feira, 28 de setembro de 2006

Sobre a alegria e a tristeza

E depois uma mulher disse, Fala-nos da Alegria e da Tristeza.
E ele respondeu:
A vossa alegria é a vossa tristeza mascarada.
E o mesmo poço de onde sai o vosso riso esteve muitas vezes cheio de lágrimas.
E como poderá ser de outra maneira?
Quanto mais fundo a tristeza entrar no vosso ser, maior é a alegria que podereis conter.
A taça que contém o vosso vinho não é a mesma que foi feita no forno do oleiro?
E a lira que vos apazigua o espírito não é da mesma madeira com que foram esculpidas as facas?
Quando estiverdes alegres, olhai bem dentro do vosso coração e descobrireis que só aquele que vos deu tristezas vos dá também alegrias.
Quando estiverdes tristes, olhai novamente para dentro do vosso coração e vereis que na verdade estais a chorar por aquilo que foi a vossa alegria.
Alguns de vós dizeis, “A alegria é maior que a tristeza” e outros dirão “Não, a tristeza é maior”.
Mas eu digo-vos que são inseparáveis.
Juntas vêm, e, quando uma se senta junto de vós lembrai-vos que a outra está a dormir na vossa cama.
Na verdade, estais suspensos como balanças entre a vossa tristeza e a vossa alegria.
Só quando vos esvaziais ficais em equilíbrio e imóveis.
Quando o guardador de tesouros vos erguer para pesar o seu ouro e a sua prata, nem a vossa alegria nem a vossa tristeza se devem alterar.

O Profeta
Gibran Kalil Gibran

sexta-feira, 15 de setembro de 2006

Sobre estar sozinho

Não é apenas o avanço tecnológico que marcou o início deste milênio. As relações afetivas também estão passando por profundas transformações e revolucionando o conceito de amor.

O que se busca hoje é uma relação compatível com os tempos modernos, na qual exista individualidade, respeito, alegria e prazer de estar junto, e não mais uma relação de dependência, em que um responsabiliza o outro pelo seu bem-estar.

A idéia de uma pessoa ser o remédio para nossa felicidade, que nasceu com o romantismo está fadada a desaparecer neste início de século. O amor romântico parte da premissa de que somos uma fração e precisamos encontrar nossa outra metade para nos sentirmos completos.
Muitas vezes ocorre até um processo de despersonalização que, historicamente, tem atingido mais a mulher; ela abandona suas características, para se amalgamar ao projeto masculino.

A teoria da ligação entre opostos também vem dessa raiz: o outro tem de fazer o que eu não sei. Se sou manso, ele deve ser agressivo, e assim por diante. Uma idéia prática de sobrevivência, e pouco romântica, por sinal.

A palavra de ordem deste século é parceria.

Estamos trocando o amor de necessidade, pelo amor de desejo. Eu gosto e desejo a companhia, mas não preciso, o que é muito diferente.

Com o avanço tecnológico, que exige mais tempo individual, as pessoas estão perdendo o pavor de ficar sozinhas, e aprendendo a conviver melhor consigo mesmas. Elas estão começando a perceber que se sentem fração, mas são inteiras.

O outro, com o qual se estabelece um elo, também se sente uma fração. Não é príncipe ou salvador de coisa nenhuma. É apenas um companheiro de viagem.

O homem é um animal que vai mudando o mundo, e depois tem de ir se reciclando, para se adaptar ao mundo que fabricou. Estamos entrando na era da individualidade, o que não tem nada a ver com egoísmo.

O egoísta não tem energia própria; ele se alimenta da energia que vem do outro, seja ela financeira ou moral.

A nova forma de amor, ou mais amor, tem nova feição e significado. Visa à aproximação de dois inteiros, e não a união de duas metades. E ela só é possível para aqueles que conseguirem trabalhar sua individualidade. Quanto mais o indivíduo for competente para viver sozinho, mais preparado estará para uma boa relação afetiva.

A solidão é boa, ficar sozinho não é vergonhoso. Ao contrário, dá dignidade à pessoa.

As boas relações afetivas são ótimas, são muito parecidas com o ficar sozinho, ninguém exige nada de ninguém e ambos crescem. Relações de dominação e de concessões exageradas são coisas do século passado. Cada cérebro é único. Nosso modo de pensar e agir não serve de referência para avaliar ninguém.

Muitas vezes, pensamos que o outro é nossa alma gêmea e, na verdade, o que fizemos foi inventá-lo ao nosso gosto.

Todas as pessoas deveriam ficar sozinhas de vez em quando, para estabelecer um diálogo interno e descobrir sua força pessoal.

Na solidão, o indivíduo entende que a harmonia e a paz de espírito só podem ser encontradas dentro dele mesmo, e não a partir do outro.
Ao perceber isso, ele se torna menos crítico e mais compreensivo quanto às diferenças, respeitando a maneira de ser de cada um.
O amor de duas pessoas inteiras é bem mais saudável.

Nesse tipo de ligação, há o aconchego, o prazer da companhia e o respeito pelo ser amado.

Trecho do livro O mal, o bem e mais além
de Flávio Gikovate
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terça-feira, 12 de setembro de 2006

O mal necessário

Do modo como vejo as coisas, a grande limitação da psicologia (junguiana inclusive) e o motivo pelo qual ela ainda não conseguiu se tornar um verdadeiro sistema iniciático é a incapacidade que os psicólogos têm de conceber uma consciência desprovida de ego quando, na verdade, consciência e ego são duas coisas bem diferentes, que acabaram se fundindo por conta das necessidades intrínsecas da primeira metade do processo de individuação (daqui a pouco, eu falo mais sobre isso). Desse ponto-de-vista, o caminho iniciático é o longo (e quase sempre doloroso) processo de desfazer esse imbroglio, quebrando a identificação ilusória da consciência com o ego.

O ovo e a galinha – O motivo pelo qual é tão difícil para nós pensar na consciência como uma entidade separada do ego é que, pelo menos num primeiro momento, essa distinção não é empírica. Somente em alguns estados muito especiais, do tipo que costumamos classificar como experiências místicas, é que a consciência consegue ver o ego de fora, como algo que não é ela. Claro, o objetivo de toda iniciação ou desenvolvimento espiritual é fazer com que esses estados deixem de ser momentos excepcionais de epifania e se tornem uma condição permanente. Mas, no nosso nível habitual de funcionamento, aquele em que operamos no dia-a-dia, toda vez que a consciência pensa em si mesma, ela se vê como um eu individual.

Para piorar, devido à natureza limitada da linguagem, a consciência só pode se referir a si própria dizendo eu, o que apenas contribui para reforçar essa identificação. Determinar o que veio primeiro, o eu gramatical (como pensavam Nietzsche e Lacan) ou a ilusão do ego (como sugeriu Freud e parecem indicar as descobertas da neurociência sobre o funcionamento do cérebro), é uma questão do tipo o ovo ou a galinha e realmente não faz diferença. O fato é que, gerada pela estrutura da linguagem ou pelo modo de funcionamento do cérebro, a ilusão do ego acaba moldando nossa autoconsciência de uma forma que parece natural e é difícil superá-la.

Por exemplo, em seus comentários (de resto, altamente pertinentes), Rubens diz: “Penso que o problema não é propriamente o ego, mas sim a rigidez em que se encontra tomado.” Mas, em última análise, levando em conta o que eu falei aí em cima, o ego é essa rigidez. “Couraça de caráter” é uma expressão enganosa, porque o que o Reich descobriu é que a couraça não é uma capa externa que vem se acrescentar ao caráter. Pelo contrário, caráter é couraça e couraça é caráter. E o caráter é, afinal, outro nome que a gente dá para esse conjunto de traços de personalidade, comportamento e postura (física ou psicológica) que formam o complexo do ego.

O fotograma e o filme – A capacidade plástica a que o Rubens se refere em outro trecho não é um atributo do ego, mas da consciência pura. Falamos de “estados da consciência”, mas essa é outra frase mal-construída, porque a consciência não é um estado, nem mesmo uma soma de estados, e sim um processo fluido, em constante transformação. É isso, aliás, que o Buda quer dizer quando se refere à impermanência de todas as coisas, acrescentando que o corolário disso é a inexistência do ego.

O ego surge quando esse processo é, por assim dizer, congelado artificialmente, tornando-se um estado com o qual a consciência se identifica. Uma boa analogia para entender essa distinção é pensar na consciência como um filme e no ego como um fotograma isolado do filme. Quando interrompemos o andamento do filme, o fotograma deixa de ser parte de um movimento contínuo e se torna um quadro estático. O ego é esse quadro estático.

O problema é que, ao contrário do filme, o movimento da consciência nunca se interrompe de verdade. Então, quando a consciência se identifica com o ego, ela se aliena de si mesma, torna-se incapaz de acompanhar o seu próprio movimento interno. A consciência fica fora de fase. Acreditamos que somos permanentemente o que já não somos mais, o que fomos durante um breve intervalo, para imediatamente nos transformamos em outra coisa que não conseguimos perceber, porque nosso ponto-de-vista ficou parado lá atrás. A fila andou e nós não seguimos com ela. É nesse ponto que a impermanência torna-se causa de sofrimento, a terceira das características da existência descritas pelo Buda.

Solve et coagula – No entanto, se o ego não só é uma ilusão, mas ainda por cima uma ilusão prejudicial e dolorosa, como é que ele veio a se constituir? A resposta está na maneira pela qual a consciência vem a se diferenciar do inconsciente na primeira metade da vida, o que, desde Erich Neumann, os analistas junguianos tendem a considerar como a fase inicial do processo de individuação.
Inicialmente, não existe a consciência. Há apenas um estado inconsciente, no qual todos os conteúdos psíquicos estão mais ou menos fundidos num amálgama indiferenciado. A consciência é apenas um potencial contido nessa mistura caótica. Para que ela possa se atualizar (no sentido aristotélico, isto é, se tornar real, passar da potência ao ato), a consciência precisa se separar do inconsciente. Mas, para isso, é preciso criar um espaço dentro do qual ela possa emergir e se desenvolver. Esse espaço é o ego.
Os alquimistas costumavam dizer que a Grande Obra podia ser resumida na frase solve et coagula. O mesmo se aplica à individuação. A totalidade inconsciente precisa ser dissolvida para que a consciência possa se coagular. Na alquimia, essa operação requer um recipiente hermeticamente fechado, o vaso alquímico. É essa a função do ego na primeira metade da individuação, que vai mais ou menos até os 30 ou 40 anos: fornecer o que Jung chamava de temenos, um espaço sagrado, no interior do qual os processos psíquicos possam se desenvolver em liberdade. Esse espaço é sagrado porque, como mostrou Mircea Eliade, o sagrado é exatamente a separação ritual entre o caos e a ordem.

Destruir um mundo – Sim, o corolário disso é que, no início, enquanto a consciência está emergindo do inconsciente, o ego, o demiurgo, o futuro vilão e encarnação do demí´nio, tem um papel sagrado a cumprir. Se ele se tornará Satã é porque antes foi Lúcifer, o portador da luz da consciência.

Os alquimistas denominavam o vaso alquímico de ovo filosófico e, de fato, o ego pode ser visto como um ovo no interior do qual o embrião da consciência se desenvolve e toma forma, nutrindo-se da experiência personalizada que a perspectiva egóica fornece. Outra comparação pertinente é dizer que o ego é um casulo, e não é outra a razão pela qual os gregos representavam a psique com asas de borboleta.
Entretanto, os alquimistas também diziam que, no final da Grande Obra, o ovo filosófico se quebra, para que a pedra filosofal possa ser extraída de dentro dele. Se a borboleta não consegue romper o casulo, ela morre asfixiada e chega um momento em que a ave precisa quebrar a casca do ovo com o bico para poder nascer, o que Hermann Hesse exprimiu em uma bela passagem de seu primeiro romance iniciático, Demian: “A ave sai do ovo. O ovo é o mundo. Quem quiser nascer tem que destruir um mundo. A ave voa para Deus. E o deus se chama Abraxas.”

Felix culpa - Romper a totalidade inconsciente é romper a totalidade, ponto. Ao se separar do inconsciente indiferenciado, a consciência se separa de suas raízes arquetípicas. Assim, o nascimento da consciência é, necessariamente, um ato de alienação. Cria-se uma antítese, uma dualidade entre eu e não-eu, entre sujeito e objeto, que dá origem a todas as outras dualidades: bem e mal, certo e errado, masculino e feminino. É por isso que, quando o homem prova da árvore do Conhecimento, adquire a consciência, mas uma consciência dualista, e é expulso do paraíso.

Com isso, as paredes do ego, que protegem a consciência da invasão de conteúdos inconscientes, também são os muros de sua prisão. Em algum momento, esses muros terão de ser derrubados, a fim de que a totalidade possa ser restaurada em um novo nível. É esse o momento em que Lúcifer se torna Satã, o obstáculo, o opositor (em hebraico, shaitan): o ego deixa de ser um fator positivo de crescimento espiritual para se tornar uma casca ou couraça que impede a consciência de se expandir por meio da integração dos conteúdos arquetípicos do inconsciente, até atingir a plena realização do Si-mesmo.

Em resumo, o ego é necessário, mas é também um mal. É um mal necessário. A antiga teologia católica exprimia essa dupla valência do ego na doutrina da felix culpa, a culpa feliz, que até a década de 1960 encontrava-se incorporada no texto da missa em latim: O felix culpa quae talem et tantum meruit habere redemptorem. (”Ah, culpa feliz, que a tornou digna de um tal redentor.”) O redentor a que ela se refere é, claro, Cristo, mas em sentido simbólico é a consciência do Si-mesmo, o Atman hindu, ou seja, a consciência emancipada do ego, que realiza a totalidade psicofísica. A doutrina da felix culpa, aliás, não é exclusiva do cristianismo. Nós a encontramos no final de O Dibuk, de S. Ansky, um dos pontos altos da dramaturgia judaica e uma peça cheia de ressonâncias cabalísticas: “A própria queda continha em si a promessa da redenção.”

O Franco Atirador

terça-feira, 5 de setembro de 2006

Viver como flores

Mestre, como faço para não me aborrecer? Perguntou o discípulo.
Algumas pessoas falam demais, outras são ignorantes. Algumas são indiferentes. Sinto ódio das que são mentirosas. Sofro com as que caluniam.

Pois viva como as flores, advertiu o mestre!

Como é viver como as flores, perguntou o discípulo?

Repare nestas flores, continuou o mestre, apontando lírios que cresciam no jardim. Elas nascem no esterco, entretanto, são puras e perfumadas. Extraem do adubo malcheiroso tudo que lhes é útil e saudável, mas não permitem que o azedume da terra manche o frescor de suas pétalas. É justo angustiar-se com as próprias culpas, mas não é sábio permitir que os vícios dos outros o importunem.
Os defeitos deles são deles e não seus. Se não são seus, não há razão para aborrecimento.

Exercite, pois, a virtude de rejeitar todo mal que vem de fora. Isso é viver como as flores.

domingo, 3 de setembro de 2006

Contos

Olhando da Maneira Correta
Havia em uma aldeia uma senhora chamada de “mulher chorona” pois todos os dias, chovendo ou fazendo sol, sempre estava chorando. Ela vendia bolinhos na rua, e um monge sempre passava por ela quando ia ao templo para os ritos. Um dia, curioso, ele perguntou:
- Sempre que passo, seja em belos dias ensolarados, seja em suaves dias chuvosos, vejo a senhora chorando. Por que isso acontece?
- Tenho dois filhos,- ela respondeu – Um faz delicadas sandálias, o outro guarda-chuvas. Quando faz sol, penso que ninguém comprará os guarda-chuvas de meu filho, e ele e sua família vão passar necessidades. Quando chove, penso no meu filho que faz sandálias, e que ninguém vai comprá-las. Então ele também vai ter dificuldade para sustentar sua família.
O monge sorriu e disse:
- Mas… a senhora deveria ver as coisas da forma correta. Veja: quando o sol brilha, seu filho que faz sandálias venderá muito, e isso é muito bom! Quando chove, seu filho que faz guarda-chuvas venderá muito, e isso é também muito bom!
A velha olhou-o com alegria e exclamou:
- Tem razão!
Desde então a velha passou todos os dias, chovendo ou fazendo sol, sorrindo feliz.

Para que Servem as Palavras?
Um monge aproximou-se de seu mestre, que se encontrava em meditação no pátio do templo à luz da lua, com uma grande dávida:
- Mestre, aprendi que confiar nas palavras é ilusório; e diante das palavras, o verdadeiro sentido surge através do silêncio. Mas vejo que os sutras e as recitaçíµes são feitas de palavras; que o ensinamento é transmitido pela voz. Se o Dharma está além dos termos, porque os termos são usados para defini-lo?
O velho sábio respondeu:
- As palavras são como um dedo apontando para a Lua; cuida de saber olhar para a Lua, não se preocupe com o dedo que a aponta.
O monge replicou:
- Mas eu não poderia olhar a Lua, sem precisar que algum dedo alheio a indique?
- Poderia – confirmou o mestre – e assim tu o farás, pois ninguém mais pode olhar a lua por ti. As palavras são como bolhas de sabão: frágeis e inconsistentes, desaparecem quando em contato prolongado com o ar. A Lua está e sempre esteve à vista. O Dharma é eterno e completamente revelado. As palavras não podem revelar o que já está revelado desde o Primeiro Princípio.
- Então – o monge perguntou – por que os homens precisam que lhes seja revelado o que já é de seu conhecimento?
- Porque – completou o sábio – da mesma forma que ver a Lua todas as noites faz com que os homens se esqueçam dela pelo simples costume de aceitar sua existência como fato consumado, assim também os homens não confiam na Verdade já revelada pelo simples fato dela se manifestar em todas as coisas, sem distinção. Desta forma, as palavras são um subterfágio, um adorno para embelezar e atrair nossa atenção. E como qualquer adorno, pode ser valorizado mais do que é necessário.
O mestre ficou em silêncio durante muito tempo. Então, de sábito, simplesmente apontou para a lua.

Não Morri Ainda
O Imperador perguntou ao Mestre Gudo:
- O que acontece com um homem iluminado após a morte?
- Como eu poderia saber? – replicou Gudo.
- Porque o senhor é um mestre… não é? – respondeu o Imperador, um pouco surpreso.
- Sim Majestade,- disse Gudo suavemente – Mas ainda não sou um mestre morto.

Isso Passará
Um praticante foi até o seu professor de meditação, tristemente, e disse:
- Minha prática de meditação é horrível! Ou eu fico distraído, ou minhas pernas doem muito, ou eu constantemente fico com sono. É simplesmente horrível!!!
- Isso passará – o professor disse suavemente.
Uma semana depois, o estudante retornou ao seu professor, eufórico:
- Minha prática de meditação é maravilhosa! Eu sinto-me tão consciente, tão pacífico, tão relaxado, tão vivo! É simplesmente maravilhoso!!!
O mestre disse tranquilamente:
- Isso também passará.

A Taça de Ouro
Um rico imperador estava visitando seu reino quando encontrou uma vila muito pobre, e sentiu pena dos camponeses que lá viviam. Ordenou então que todos fossem para seu castelo, onde iriam tomar de seu chá imperial.
Ao chegarem lá, os camponeses se depararam com duas taças – uma comum, de barro, como as que eles mesmo tinham, e uma de ouro, com intrincados ornamentos e gemas preciosas.
O imperador perguntava à cada um deles em qual taça gostariam de beber. Todos os camponeses escolhiam a taça de ouro, e saíam muito satisfeitos de terem provado o chá imperial numa taça especial.
Então chegou a vez de um sábio monge beber. O imperador fez a mesma pergunta, e o monge escolheu a taça de barro.
O imperador pensou um pouco e disse ao monge:
- Você é um homem sábio. Ao contrário dos camponeses, que escolheram a beleza, você escolheu a taça de barro porque sabe que a beleza nada representa. Todos os camponeses, portanto, são tolos.
o monge respondeu:
- Eles não são tolos por escolherem a taça de ouro. Eles são pobres, e nunca haviam visto algo tão belo na vida, e irão contar aos filhos do dia em que puderam beber da taça de ouro do Imperador.
E o imperador perguntou:
- Mas e você, o que irá contar?
E o monge:
- Eu irei contar que poderia beber da taça de ouro e recusei.

Egoísmo
O Primeiro Ministro da Dinastia Tang era um herói nacional pelo seu sucesso tanto como homem de estado quanto como líder militar. Mas a despeito de sua fama, poder e riqueza, ele se considerava um humilde e devoto Buddhista. Frequentemente ele visitava seu mestre Châ-an favorito para estudar com ele, e eles pareciam se dar muito bem. O fato de que ele era primeiro ministro aparentemente não tinha efeito em sua relação, que parecia ser simplesmente a de um reverendo mestre e seu respeitoso estudante.
Um dia, durante sua visita usual, o Primeiro Ministro perguntou ao mestre, “Mestre, o que é o egoísmo de acordo com o Buddhismo?”
O rosto do mestre ficou vermelho, e num tom de voz extremamente desdenhoso e insultuoso ele gritou em resposta:
“Que tipo de pergunta estápida é esta?!?”
Tal resposta tão inesperada chocou tanto o Primeiro Ministro que este tornou-se imediatamente arrogante e com raiva:
“Como ousa me tratar assim?”
Neste momento o mestre Châ-an sorriu e disse:
“ISTO, Sua Excelência, é egoísmo…”

O Paraíso
Duas pessoas estavam perdidas no deserto. Elas estavam morrendo de inanição e sede. Finalmente, eles avistaram um alto muro. Do outro lado eles podiam ouvir o som de quedas d’água e pássaros cantando. Acima eles podiam ver os galhos de uma árvore frutífera atravessando e pendendo sobre o muro. Seus frutos pareciam deliciosos.
Um dos homens subiu o muro e desapareceu no outro lado.
O outro, em vez disso, saciou sua fome com as frutas que sobressaíam da árvore ali mesmo, e retornou ao deserto para ajudar outros perdidos a encontrar o caminho para o oásis.

Aranha
Um conto Tibetano fala de um estudante de meditação que, enquanto meditava em seu quarto, pensava ver uma assustadora aranha descendo à sua frente. A cada dia a criatura ameaçadora retornava cada vez maior em tamanho. Tão terrificado estava o estudante que finalmente foi ao seu professor para relatar o seu dilema:
“Não posso continuar meditando com tal ameaça sobre mim,” disse ele tremendo de pavor. “Vou guardar uma faca em meu colo durante a meditação, de forma que quando a aranha aparecer eu possa matá-la!”
O professor advertiu-o contra esta idéia:
“Não faça isso. Faça como eu lhe digo: leve um pedaço de carvão na sua meditação, e quando a aranha aparecer, marque um ‘X’ em sua barriga. Depois disso venha até mim.”
O estudante retornou à sua meditação. Quando a aranha novamente apareceu, ele lutou contra o impulso de atacá-la e em vez disso fez como o mestre sugeriu. Então correu para a sala de dele, gritando:
“Eu a marquei na barriga! Fiz o que me pediu! O que faço agora?”
O professor olhou-o e falou:
“Levante a tánica e olhe para sua própria barriga.”
Ao fazer isso, o estudante viu o “X” que havia feito.

Não tenho nada
Um jovem monge aproximou-se de Chao-chou muito orgulhoso e eufórico, e disse:
“Me desfiz de tudo o que tinha! Minhas mãos estão vazias e vim à vós com o coração sereno!”
“Então resta apenas desfazeres-te disso, e chegarás ao Zen.” Afirmou o mestre.
“Mas,” replicou o monge, “não tenho mais nada. Do que mais posso me desfazer?”
“Tudo bem,” comentou o sábio, “se tu queres manter o Nada que ainda carregas, fique com ele…”

domingo, 27 de agosto de 2006

O rei pescador

Conhece a história do rei pescador?
Começa com ele menino. Tem de passar a noite na floresta pra provar sua coragem e ser rei.
Enquanto está só ele tem uma visão sagrada.
Do fogo, surge o Santo Graal,símbolo da graça divina. Uma voz lhe diz que guarde o Graal a fim de curar o coração do homem.
Porém o menino só pensava numa vida cheia de poder, glória e beleza. E, em estado de surpresa total,sentiu-se, não como menino mas invencível, como Deus.
Aproximou-se do fogo para pegar o Graal e o Graal sumiu. Ele ficou com as mãos no fogo, queimando-se gravemente.
Enquanto ele crescia a ferida se aprofundava. Até que, um dia, a vida perdeu o sentido para ele.
Não tinha fé em ninguém, nem em si mesmo. Não podia amar nem sentir-se amado. Ficou transtornado com a experiência. Começou a morrer.
Um dia, um tolo entrou no castelo e viu o rei sozinho. Sendo tolo, era ingênuo, e não viu um rei. Viu apenas um homem solitário, sofrendo.
Perguntou-lhe por que sofria.
E o rei respondeu:
“Tenho sede, preciso de água para molhar a garganta”.
Então o tolo pegou um copo ao lado da cama, encheu-o de água e deu ao rei.
Ao beber, o rei percebeu que sua ferida havia sarado.
Olhou para as mãos e viu o Graal que tanto buscara. Virou-se para o tolo e perguntou:
“Como achou algo que meus homens não conseguiram?”
O tolo respondeu:
“Não sei. Só sabia que você tinha sede”.

Robin Williams em O Pescador de Ilusões

sábado, 12 de agosto de 2006

Onde estamos indo?

Onde estamos indo?
Você não está indo a lugar nenhum.
Você está apenas indo.
Todos os lugares onde você vai e todos os lugares onde você chega é o mesmo lugar: a Matrix*.
O único lugar onde você precisa chegar é a esta compreensão.

Marcelo Ferrari
Matrix Zero


* Pode substituir a palavra “Matrix” por “Você”… vai dar no mesmo lugar…

terça-feira, 4 de julho de 2006

A pedra

O distraído nela tropeçou
O bruto a usou como projétil
O empreendedor, usando-a, construiu
O camponês, cansado da lida, dela fez assento
Para meninos, foi brinquedo
Drumond a poetizou
Já Davi, matou Golias
Michelangelo extraiu-lhe as mais belas esculturas…
E em todos esses casos, a diferença não esteve na pedra, mas no homem.

Autor desconhecido

sábado, 1 de julho de 2006

O mundo dos desejos

FALA ARJUNA:
Explica-me, ó Mestre, quais as características de um homem que tenha atingido perfeita sabedoria por
experiência espiritual absoluta (samadhi); como fala um homem auto-realizado? Como é que ele vive e age?

FALA KRISHNA:
Quando o homem é perfeitamente liberto de todos os desejos do ego finito e alcançou a paz da alma pela realização do Eu divino, então, é um homem de perfeita sabedoria.

Quando alguém permanece calmo e sereno no meio do sofrimento, quando não espera receber do mundo objetivo permanente felicidade e quando é livre de apego, medo e ódio – então é ele um homem de perfeita sabedoria.

Quando não é apegado a um e indiferente a outro; enquanto não se alegra em excesso com o que é agradável, nem se entristece excessivamente com o que é desagradável – então é ele um homem de perfeita sabedoria.

Quando o yogui é capaz de retrair totalmente os seus sentidos dos objetos sensórios, assim como a tartaruga retrai para dentro de si os seus membros – então está firmemente estabelecido na sabedoria.

Pela prática da abstenção pode alguém amortecer os seus sentidos e torná-los insensíveis aos prazeres sensitivos; mas não torna necessariamente insensível aos desejos dos mesmos, o desejo dos prazeres sensitivos cessa somente quando o homem entra em contato com o Espírito Supremo dentro dele.

Ó Arjuna! Os sentidos descontrolados arrebatam com violência a mente, até do homem sábio em determinada perfeição, se não tiver a devida compreensão.

Por isso o yogui domina os seus sentidos, dirigindo-os a mim e assim se torna ele firmemente estabelecido em mim, o Ser Supremo. O homem que tem perfeito domínio sobre os seus sentidos é um sábio.

Quem pensa sempre em objetos sensórios apega-se a eles; desse apego nasce o prazer e o prazer gera inquietação.

A inquietação produz a ilusão; a ilusão destrói a nitidez da discriminação; e, uma vez destruída a discriminação, esquece-se o homem da sua natureza espiritual – e com isto vai rumo ao abismo.

Mas o homem que possui domínio sobre o mundo dos sentidos e da mente, sem odiar nada nem se apegar a nada, orientado pelo Eu central, este encontra a paz. Essa paz neutraliza todas as inquietações e o homem que goza de paz goza de verdadeira beatitude – e acaba por superar também os males externos.

Impossível a aquisição de sabedoria pela mente descontrolada; impossível a meditação para o homem inquieto!

E se o homem não encontrar a paz dentro de si, como pode ser feliz? O homem sem o domínio sobre a sua mente e seus sentidos é como um navio levado à mercê das ondas.

Homem de perfeita sabedoria é aquele que possui perfeito domínio sobre seus sentidos com relação aos objetos sensórios. Onde para outros reina a escuridão, lá enxerga ele a claridade; e onde o profano fala em dia cheio de luz, lá o vidente espiritual não vê senão a noite tenebrosa da ignorância.

Todos os rios deságuam no oceano, mas o oceano não transborda e em suas profundezas reina imperturbável tranqüilidade – assim é o homem iluminado pelo conhecimento de si mesmo: de todas as partes o invadem as impressões dos sentidos – e submergem todas no seu Eu imóvel e imperturbável.

Livre de todos os desejos, é o homem senhor, e não servo, dos prazeres; livre de propriedade, une-se ele com o Todo e encontra a paz verdadeira.

Isto se chama viver na consciência de Brahman. Quem atingiu esse estado, nunca mais pode recair na ilusão antiga; e, vivendo nesse estado de consciência, o yogui alcança, finalmente, libertação absoluta na experiência de sua união com Brahman (nirvana).

Trecho do livro BHAGAVAD GITA
Tradução e notas de Huberto Rohden

sexta-feira, 30 de junho de 2006

Consertando o mundo

Um cientista vivia preocupado com os problemas do mundo e estava resolvido a encontrar meios de minimizá-los. Passava dias em seu laboratório em busca de respostas para suas dúvidas.
Certo dia, seu filho de sete anos invadiu seu santuário decidido a ajudá-lo a trabalhar. O cientista, nervoso pela interrupção, tentou que o filho fosse brincar em outro lugar.
Vendo que seria impossível demovê-lo, o pai procurou algo que pudesse ser oferecido ao filho com o objetivo de distrair sua atenção. De repente, deparou-se com o mapa do mundo, o que procurava! Com o auxílio de uma tesoura, recortou o mapa em vários pedaços e, junto com um rolo de fita adesiva, entregou ao filho dizendo:
- Você gosta de quebra-cabeças? Então vou lhe dar o mundo para consertar. Aqui está o mundo todo quebrado. Veja se consegue consertá-lo direitinho! Faça tudo sozinho.
Calculou que a criança levaria dias para recompor o mapa. Algumas horas depois, ouviu a voz do filho que o chamava calmamente:
- Pai, pai, já fiz tudo. Consegui terminar tudinho!
A princípio, o pai não deu crédito às palavras do filho. Seria impossível na sua idade ter conseguido recompor um mapa que jamais havia visto. Relutante, o cientista levantou os olhos de suas anotações, certo de que veria um trabalho digno de uma criança. Para sua surpresa, o mapa estava completo. Todos os pedaços haviam sido colocados nos devidos lugares. Como seria possível? Como o menino havia sido capaz?
- Você não sabia como era o mundo, meu filho, como conseguiu?
- Pai , eu não sabia como era o mundo, mas quando você tirou o papel da revista para recortar, eu vi que do outro lado havia a figura de um homem. Quando você me deu o mundo para consertar, eu tentei mas não consegui. Foi aí que me lembrei do homem, virei os recortes e comecei a consertar o homem que eu sabia como era. Quando consegui consertar o homem, virei a folha e vi que havia consertado o mundo.

Autor desconhecido

segunda-feira, 12 de junho de 2006

A importância de ser você mesmo

Certo dia, um Samurai, que era um guerreiro muito orgulhoso, veio ver um Mestre Zen.
Embora fosse muito famoso, ao olhar o Mestre, sua beleza e o encanto daquele momento, o samurai sentiu-se repentinamente inferior.
Ele então disse ao Mestre:
- “Por quê estou me sentindo inferior?
Apenas um momento atrás, tudo estava bem.
Quando aqui entrei, subitamente me senti inferior e jamais me sentira assim antes.
Encarei a morte muitas vezes, mas nunca experimentei medo algum.
Por quê estou me sentindo assustado agora?”
O Mestre falou:
- “Espere. Quando todos tiverem partido, responderei.”
Durante todo o dia, pessoas chegavam para ver o Mestre, e o samurai estava ficando mais e mais cansado de esperar.
Ao anoitecer, quando o quarto estava vazio, o samurai perguntou novamente:
- “Agora você pode me responder por que me sinto inferior?”
O Mestre o levou para fora. Era um noite de lua cheia e a lua estava justamente surgindo no horizonte.
Ele disse:
- “Olhe para estas duas árvores, a árvore alta e a árvore pequena ao seu lado.
Ambas estiveram juntas ao lado de minha janela durante anos e nunca houve problema algum.
A árvore menor jamais disse à maior “Por quê me sinto inferior diante de você?
Esta árvore é pequena e aquela é grande – este é o fato, e nunca ouvi sussurro algum sobre isso.”
O samurai então argumentou:
- “Isto se dá porque elas não podem se comparar.”
E o Mestre replicou:
Então não precisa me perguntar. Você sabe a resposta.
Quando você não compara, toda a inferioridade e superioridade desaparecem.
Você é o que é e simplesmente existe. Um pequeno arbusto ou uma grande e alta árvore, não importa, você é você mesmo.
Uma folhinha da relva é tão necessária quanto a maior das estrelas.
O canto de um pássaro é tão necessário quanto qualquer Buda, pois o mundo será menos rico se este canto desaparecer.
Simplesmente olhe à sua volta.
Tudo é necessário e tudo se encaixa.
Há uma unidade orgânica, ninguém é mais alto ou mais baixo, ninguém é superior ou inferior.
Cada um é incomparavelmente Único.
Você é necessário e basta.
Na Natureza, tamanho não é diferença.
Tudo é expressão igual de vida.

sexta-feira, 24 de março de 2006

Existe uma vida futura?

Interessam-se realmente por isso? Suponho que sim, pois, de outro modo, não fariam a pergunta. Mas, um momento: por que perguntam se existe uma vida futura? Só por divertimento, curiosidade, porque estão atemorizados com o presente e, portanto, pretendem saber qual será o futuro, ou simplesmente para aprender? Ora, sabem que alguns cientistas modernos, bem conhecidos, estão afirmando que existe uma vida futura. Dizem eles que, através de médiuns, podemos descobrir que existe uma vida após a morte. Muito bem, tomemos isso como decidido, que ela existe. Que acontece se existir uma vida futura? Que fizeram ao descobrir que existe uma vida futura? Não são, por isso, nem mais felizes nem mais inteligentes nem mais humanos nem mais sensatos nem afetuosos. Estão onde sempre estiveram. Tudo que aprenderam foi outro fato – o de que existe uma vida depois desta. Isso pode ser um consolo, mas o que resulta daí? Dirão: “Isso me dá a certeza de que viverei na próxima vida”. Mais uma vez: o que decorre daí? Mesmo que isso lhes dê a certeza de que viverão, defrontam-se ainda com os mesmos problemas, os mesmos aborrecimentos, as mesmas alegrias e prazeres transitórios, não obstante exista outra vida. Para mim, embora ela seja um fato, é de pouca importância. Senhor, a imortalidade não está no futuro; a imortalidade, a eternidade, ou como queiram chamá-la, está no agora, no presente, e só poderão compreender o presente quando a mente estiver liberta do tempo.

[...]

Receio que o interrogante esteja desapontado. Ele deseja saber se há ou não há – quer uma resposta categórica: sim ou não. Lamento não haver resposta categórica para dar. Cuidado com as respostas categóricas – sim e não. Não será, na realidade, mais importante saber viver do que verificar o que acontece quando se morre? Só aquele que já está morrendo é que quer saber o que acontece após a morte; não, aquele que está vivo. Perguntemos e procuremos, portanto, como viver ricamente, humanamente, completamente, divinamente em vez de tentar averiguar o que está para além. Saberão, depois, o que está para além, quando souberem como viver supremamente, inteligentemente. Só então saberão o que está para além. Mas essa descoberta, então, não será uma coisa teórica; será um fato.

Aí, então, vão descobrir que isso tem muito pouca significação, pois não existe além. A vida é um todo completo, sem começo nem fim. É esse êxtase, essa sabedoria, que produz a plenitude do viver no presente.

Krishnamurti
Texto na íntegra

quinta-feira, 9 de março de 2006

Linguagem correta

Meu mestre dizia, “Se você não consegue controlar a sua boca, não existe esperança de que irá controlar a sua mente.” Por essa razão a linguagem correta é tão importante na prática diária.

A Linguagem Correta explicada em termos negativos significa evitar quatro tipos de linguagem que são prejudiciais: mentiras (palavras que são ditas com a intenção de distorcer a verdade); maldosas (palavras ditas com a intenção de separar as pessoas); grosseiras (palavras ditas com a intenção de ferir outra pessoa emocionalmente); e frívolas (palavras ditas sem a intenção de algum significado).

Observe o foco na intenção: é nesse ponto que a prática da linguagem correta cruza com o treinamento da mente. Antes de você falar, você foca no porquê você quer falar. Isso ajuda você a tomar contato com todas as maquinações que estão ocorrendo no comitê de vozes que dirigem a sua mente. Se você percebe alguma motivação inábil se ocultando por detrás das decisões do comitê, você poderá vetá-las. Como resultado você estará mais atento consigo mesmo, mais honesto consigo mesmo, mais firme consigo mesmo. Você também evita dizer coisas das quais se arrependerá mais tarde. Dessa forma você fortalece qualidades da mente que lhe auxiliarão na meditação, ao mesmo tempo que evita qualquer tipo de recordação dolorosa que atrapalharia a atenção no momento presente, quando chegar a ocasião de meditar.

Em termos positivos, a linguagem correta significa falar de forma honesta, harmoniosa, confortante e digna de ser levada a sério. Quando você pratica essas formas positivas de linguagem correta as suas palavras se convertem em bênçãos para os outros. Em resposta, as outras pessoas irão prestar mais atenção àquilo que você tem a dizer e provavelmente irão responder da mesma forma. Isso lhe dá uma idéia do poder das suas ações: a maneira como você age no momento presente de fato molda o mundo das suas experiências. Você não precisa ser uma vítima de eventos passados.

Para muitos de nós a parte mais difícil da prática da linguagem correta se encontra na forma como expressamos nosso senso de humor. Especialmente quando damos boas gargalhadas através do exagero, sarcasmo, estereótipos e pura bobagem – todos exemplos clássicos de linguagem incorreta. Se as pessoas se acostumam com esse tipo de humor negligente, elas irão parar de ouvir com cuidado aquilo que temos a dizer. Dessa forma vulgarizamos o nosso discurso. Na verdade já existe ironia suficiente no mundo portanto, não precisamos exagerar ou ser sarcásticos. Os melhores humoristas são aqueles que simplesmente nos fazem ver diretamente as coisas como elas são.

Expressar o nosso humor de forma honesta, útil e sábia pode exigir que pensemos e nos esforcemos, mas quando nos tornamos mestres nesse tipo de sutileza nos damos conta de que o esforço valeu a pena. Aguçamos a nossa mente e melhoramos a nossa linguagem. Dessa forma, mesmo as nossas piadas se tornam parte da nossa prática: uma oportunidade para desenvolver qualidades positivas na mente e oferecer algo de valor intelectual para as pessoas que nos rodeiam.

Assim, tenha muito cuidado com aquilo que você diz – e com o porquê você o diz. Ao fazer isso, descobrirá que uma boca aberta não é necessariamente um erro.

Thanissaro Bhikkhu

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2006

Homens livros

O Universo é uma imensa livraria. A Terra é apenas uma de suas estantes.Somos os livros colocados nela.

Da mesma maneira que as pessoas compram livros, apenas pela beleza da capa, sem pesquisarem o índice e conteúdo do mesmo, muitas pessoas avaliam os outros pela aparência externa, pela capa física, sem considerarem a parte interna.

Outras procuram livros com títulos bombásticos, sensacionalistas histórias de terror ou romances profundos.
Também é assim com as pessoas: há aquelas que buscam sensacionalismos baratos, dramas alheios ou apenas um romance.

Somos homens-livros lendo uns aos outros.Podemos ficar só na capa ou aprofundarmos nossa leitura até as páginas vivas do coração.

A capa pode ser interessante, mas é no conteúdo que brilha a essência do texto. O corpo pode ter uma bela plástica, mas é o espírito que dá brilho aos olhos.

Também podemos ler nas páginas experientes da vida muitos textos de sabedoria.Depende do que estamos buscando na estante.

Podemos ver em cada homem-livro um texto-espírito impresso nas linhas do corpo.Deus colocou sua assinatura divina ali, nas páginas do coração, mas só quem lê o interior descobre isso.

Só quem vence a ilusão da capa e mergulha nas páginas da vida íntima de alguém, descobre seu real valor, humano e espiritual.

Que todos nós possamos ser bons leitores conscientes.

Que nas páginas de nossos corações, possamos ler uma história de amor profundo.Que em nossos espíritos possamos ler uma história imortal.

E que, sendo homens-livros, nós possamos ser leitura interessante e criativa nas várias estantes da livraria-universo.A capa amassa e as folhas podem rasgar. Mas, ninguém amassa ou rasga as idéias e sentimentos de uma consciência imortal.

O que não foi bem escrito em uma vida, poderá ser bem escrito mais à frente, em uma próxima existência ou além …

Mas, com toda certeza, será publicado pela editora da vida, na estante terrestre…
…ou em qualquer outra estante por aí.

Texto: Homens-Livros, tradução de Wagner Borges.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2006

O tigre de pelúcia

Quando não conhecemos a natureza da mente, vivemos, no entanto, na convicção de que os pensamentos existem realmente. Sendo tomados por reais, tornam-se causa de sofrimento. Vemos pessoas a tal ponto atormentadas por um pensamento que elas deixam de comer, tornam-se magras e pálidas, olhos cavos e sem expressão. Essas repercussões físicas ilustram bem a força dos pensamentos tomados por reais.

Fabricam-se, para uso das crianças, animais em pelúcia, às vezes assemelhando-se muito com os verdadeiros. Os tigres, os leões, os leopardos mostram numa mandíbula aberta presas ameaçadoras, e fixam sobre sua presa olhos pavorosos. Uma criança bem pequena pode ter medo de um tigre de pelúcia, acreditando-se em presença de uma ameaça efetiva. Sua confusão é a única causa de seu sofrimento. Lá onde não há tigre, ela crê haver um. Inversamente, a mesma criancinha ficará muito feliz com um cavalo em pelúcia, concedendo-lhe uma existência real, investindo-o da gentileza e da doçura de um autêntico cavalo. Ao não reconhecermos a natureza de nossos pensamentos, somos semelhantes a essa criancinha: tomamos por real o que não é e, daí, experimentamos sofrimentos e alegrias.

O meditador que, ao contrário, realiza o mahamudra, isto é, reconhece a verdadeira natureza de sua mente, é comparável a um adulto que não se enganara com uma imitação de tigre ou cavalo. “É bem feito, pensará o adulto; dir-se-ia um tigre, dir-se-ia um cavalo.” Mas ele não se equivoca quanto à realidade do objeto e não é, portanto, levado a reagir como o faria diante de um verdadeiro tigre ou de um verdadeiro cavalo. Ele está livre dos medos e das alegrias que a situação efetiva causaria. Assim também, para aquele que realizou o mahamudra, os pensamentos, cujo caráter irreal é desmascarado, não dão mais lugar a complicações emocionais: eles não engendram nem sofrimentos, nem alegrias.

Aparecem em nossa mente todos os tipos de pensamentos e imagens; mas eles não têm existência real. Lhaktong reconhece simultaneamente as manifestações mentais e sua ausência de existência real. Não se trata em absoluto de apagar a manifestação, nem renegar a faculdade criadora da mente, mas ver seu caráter desprovido de existência própria. Um falso tigre não deixa de aparecer com uma forma: é o aspecto manifestação. Saber, por outro lado, que ele não é real, corresponde ao aspecto vacuidade. A visão superior reconhece ao mesmo tempo a forma do tigre e sua irrealidade, a união da manifestação e da vacuidade.

Isso não significa em absoluto que a mente permanece desde então numa espécie de indiferença permanente, entediante e opaca. A mente experimenta, ao contrário, sua própria felicidade, sem medida comum com as alegrias ordinárias, a tal ponto que é considerada para além dos conceitos de alegria e não-alegria. A mente de um ser liberto está não apenas além do sofrimento, ela é por natureza e de maneira inalterável, paz, lucidez, inteligência, felicidade, amor e poder, infinitamente mais vivo do que o somos.

Texto na íntegra

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2006

Manifesto Rosacruz

[...] Quanto às grandes religiões, consideramos que elas manifestam atualmente dois movimentos contrários: um, centrípeto e, o outro, centrífugo. O primeiro consiste numa prática radical que se pode observar sob forma de integrismos no seio do cristianismo, do judaísmo, do islamismo ou do hinduísmo, entre outros. O segundo se traduz por um abandono de seu credo em geral e de seus dogmas em particular. O indivíduo não mais aceita manter-se na periferia de um sistema de crenças, mesmo que se trate de uma religião dita revelada. Doravante, ele quer se colocar no centro de um sistema de pensamento resultante de sua própria experiência. Nisso, a aceitação dos dogmas religiosos não é mais automática. Os crentes adquiriram certo senso crítico a respeito das questões religiosas e a validade de suas convicções corresponde cada vez mais a uma validação pessoal. Onde a necessidade de Espiritualidade produziu outrora algumas religiões com forma arborescente (a forma de uma árvore bem enraizada em seu solo sócio-cultural, que elas aliás contribuíram para enriquecer), hoje ela toma a forma de uma estrutura em rizoma, feita de arbustos múltiplos e variados. Mas, o Espírito não sopra onde quer? [...]

[...] No que concerne à moral, no sentido que damos a esta palavra que se tornou ambígua, consideramos que ela está cada vez mais injuriada. Para nós ela não designa obediência cega a regras (para não dizer a dogmas) sociais, religiosas, políticas ou outras. Ora, é assim que muitos de nossos concidadãos percebem a moral dos nossos dias e daí vem sua atual rejeição. Consideramos antes que ela se relaciona com o respeito que todo indivíduo deveria ter para com ele próprio, os outros e o ambiente. O respeito a si mesmo consiste em viver segundo suas próprias idéias e não em se fundamentar nos comportamentos que se reprova nos outros. O respeito aos outros consiste, simplesmente, em não fazermos ao nosso semelhante o que não gostaríamos que ele nos fizesse, o que todos os sábios do passado ensinaram. Quanto ao respeito ao ambiente, ousamos dizer que ele vem naturalmente: respeitar a natureza e preservá-la para as gerações futuras. Vista sob esse ângulo, a moral implica um equilíbrio entre os direitos e os deveres de cada um, o que lhe dá uma dimensão humanística que nada tem de moralizadora. [...]

[...] No tocante às relações do Ser Humano com seus semelhantes, consideramos que elas são cada vez mais interesseiras e deixam cada vez menos lugar ao altruísmo. É verdade que se manifestam impulsos de solidariedade, mas isso acontece o mais das vezes fortuitamente, por ocasião de catástrofes (inundações, tempestades, tremores de terra, etc.). Em situações normais, é o cada um por si que predomina nos comportamentos. Pensamos que também essa ascensão do individualismo é uma conseqüência do materialismo excessivo que grassa atualmente nas sociedades modernas. Não obstante, o isolamento que decorre disso deveria acabar, cedo ou tarde, gerando o desejo e a necessidade de renovar o contato com os outros. Por outro lado, pode-se esperar que essa solitude leve cada um a se interiorizar mais e a se abrir finalmente para a Espiritualidade. [...]

[...] Pouco importam as idéias políticas, as crenças religiosas, as convicções filosóficas de cada um. Os tempos não estão mais para divisão, qualquer que seja sua forma, mas para a união; para a união das diferenças, a serviço do bem comum. Nisso, nossa Fraternidade conta em seu quadro com cristãos, judeus, muçulmanos, budistas, hinduístas, animistas e mesmo agnósticos. Reúne também pessoas que pertencem a todas as categorias sociais e representam todas as correntes políticas clássicas. Homens e mulheres nela têm um status de total igualdade e cada membro goza das mesmas prerrogativas. É essa unidade na diversidade que faz a pujança do nosso ideal e da nossa egrégora. Assim é porque a virtude que mais prezamos é a tolerância, isto é, precisamente, o direito à diferença. Isto não faz de nós sábios, pois a sabedoria abrange muitas outras virtudes. Consideramo-nos antes filósofos, ou seja, literalmente, “amantes da sabedoria”. [...]

Manifesto Rosacruz

terça-feira, 31 de janeiro de 2006

As quatro esposas

Era uma vez um rei que tinha 4 esposas.

Ele amava a 4ª esposa demais, e vivia dando-lhe lindos presentes, jóias e roupas caras. Ele dava-lhe de tudo e sempre do melhor.

Ele também amava muito sua 3ª esposa e gostava de exibí-la aos reinados vizinhos. Contudo, ele tinha medo que um dia, ela o deixasse por outro rei.

Ele também amava sua 2ª esposa. Ela era sua confidente e estava sempre pronta para ele, com amabilidade e paciência. Sempre que o rei tinha que enfrentar um problema, ele confiava nela para atravessar esses tempos de dificuldade.

A 1ª esposa era uma parceira muito leal e fazia tudo que estava ao seu alcance para manter o rei muito rico e poderoso, ele e o reino. Mas, ele não amava a 1ª esposa, e apesar dela o amar profundamente, ele mal tomava conhecimento dela.

Um dia, o rei caiu doente e percebeu que seu fim estava próximo. Ele pensou em toda a luxúria da sua vida e ponderou:

- É, agora eu tenho 4 esposas comigo, mas quando eu morrer, com quantas poderei contar?

Então, ele perguntou à 4ª esposa:
- Eu te amei tanto, querida, te cobri das mais finas roupas e jóias. Mostrei o quanto eu te amava cuidando bem de você. Agora que eu estou morrendo, você é capaz de morrer comigo, para não me deixar sozinho?
- De jeito nenhum! respondeu a 4ª esposa, e saiu do quarto sem sequer olhar para trás.
A resposta que ela deu cortou o coração do rei como se fosse uma faca afiada.

Tristemente, o rei então perguntou para a 3ª esposa:
- Eu tambem te amei tanto a vida inteira. Agora que eu estou morrendo, você é capaz de morrer comigo, para não me deixar sozinho?
- Não!!!, respondeu a 3ª esposa.
- A vida é boa demais!!! Quando você morrer, eu vou é casar de novo.

O coração do rei sangrou e gelou de tanta dor.

Ele perguntou então à 2ª esposa:
- Eu sempre recorri a você quando precisei de ajuda, e você sempre esteve ao meu lado. Quando eu morrer, você será capaz de morrer comigo, para me fazer companhia?
- Sinto muito, mas desta vez eu não posso fazer o que você me pede! respondeu a 2ª esposa.
- O máximo que eu posso fazer é enterrar você!

Essa resposta veio como um trovão na cabeça do rei, e mais uma vez ele ficou arrasado.

Daí, então, uma voz se fez ouvir:
- Eu partirei com você e o seguirei por onde você for…

O rei levantou os olhos e lá estava a sua 1ª esposa, tão magrinha, tão mal nutrida, tão sofrida…

Com o coração partido, o rei falou:
- Eu deveria ter cuidado muito melhor de você enquanto eu ainda podia…

Na verdade, nós todos temos 4 esposas nas nossas vidas…

Nossa 4ª esposa é o nosso corpo. Apesar de todos os esforços que fazemos para mantê-lo saudável e bonito, ele nos deixará quando morrermos…

Nossa 3ª esposa são as nossas posses, as nossas propriedades, as nossas riquezas. Quando morremos, tudo isso vai para os outros.

Nossa 2ª esposa são nossa família e nossos amigos. Apesar de nos amarem muito e estarem sempre nos apoiando, o máximo que eles podem fazer é nos enterrar…

E nossa 1ª esposa é a nossa ALMA, muitas vezes deixada de lado por perseguirmos, durante a vida toda, a Riqueza, o Poder e os Prazeres do nosso Ego…

Apesar de tudo, nossa Alma é a única coisa que sempre irá conosco, não importa aonde formos…

Autor desconhecido