quinta-feira, 8 de setembro de 2005

Sobre as virtudes - O Amor

Continuando com o Amor...

Não nascemos virtuosos, mas nos tornamos. Como? Pela educação: pela polidez, pela moral, pelo amor. A polidez, como vimos, é um simulacro de moral: agir polidamente é agir como se fôssemos virtuosos. Pelo que a moral começa, no ponto mais baixo, imitando essa virtude que lhe falta e de que no entanto, pela educação, ele se aproxima e nos aproxima. A polidez, numa vida bem conduzida, tem por isso cada vez menos importância, ao passo que a moral tem cada vez mais. É o que os adolescentes descobrem e nos fazem lembrar. Mas isso é apenas o início de um processo, que não poderia deter-se aí. A moral, do mesmo modo, é um simulacro de amor: agir moralmente é agir como se amássemos. Pelo que a moral advém e continua, imitando esse amor que lhe falta, que nos falta, e de que no entanto, pelo hábito, pela interiorização, pela sublimação, ela também se aproxima e nos aproxima, a ponto í s vezes de se abolir nesse amor que a atrai, que a justifica e a dissolve. Agir bem é, antes de tudo, fazer o que se faz (polidez), depois o que se deve fazer (moral), enfim, í s vezes, é fazer o que se quer, por pouco que se ame (ética). Como a moral liberta da polidez consumando-a (somente o homem virtuoso não precisa mais agir como se o fosse), o amor, que consuma por sua vez a moral, dela nos liberta: somente quem ama não precisa mais agir como se amasse. É o espírito dos Evangelhos ("Ama e faz o que quiseres"), pelo que Cristo nos liberta da Lei, explica Spinoza, não a abolindo, como queria estupidamente Nietzsche, mas consumando-a ("Não vim para revogar, vim para cumprir"), isto é, comenta Spinoza, confirmando-a e inscrevendo-a para sempre "no fundo dos corações". A moral é esse simulacro de amor, pelo qual o amor, que dela nos liberta, se torna possível. Ela nasce da polidez e tende ao amor; ela nos faz passar de uma a outro. É por isso que, mesmo austera, mesmo desagradável, nós a amamos.

Texto extraído do livro Pequeno Tratado das Grandes Virtudes
De André Comte-Sponville

Nenhum comentário: