sexta-feira, 17 de fevereiro de 2006

O tigre de pelúcia

Quando não conhecemos a natureza da mente, vivemos, no entanto, na convicção de que os pensamentos existem realmente. Sendo tomados por reais, tornam-se causa de sofrimento. Vemos pessoas a tal ponto atormentadas por um pensamento que elas deixam de comer, tornam-se magras e pálidas, olhos cavos e sem expressão. Essas repercussões físicas ilustram bem a força dos pensamentos tomados por reais.

Fabricam-se, para uso das crianças, animais em pelúcia, às vezes assemelhando-se muito com os verdadeiros. Os tigres, os leões, os leopardos mostram numa mandíbula aberta presas ameaçadoras, e fixam sobre sua presa olhos pavorosos. Uma criança bem pequena pode ter medo de um tigre de pelúcia, acreditando-se em presença de uma ameaça efetiva. Sua confusão é a única causa de seu sofrimento. Lá onde não há tigre, ela crê haver um. Inversamente, a mesma criancinha ficará muito feliz com um cavalo em pelúcia, concedendo-lhe uma existência real, investindo-o da gentileza e da doçura de um autêntico cavalo. Ao não reconhecermos a natureza de nossos pensamentos, somos semelhantes a essa criancinha: tomamos por real o que não é e, daí, experimentamos sofrimentos e alegrias.

O meditador que, ao contrário, realiza o mahamudra, isto é, reconhece a verdadeira natureza de sua mente, é comparável a um adulto que não se enganara com uma imitação de tigre ou cavalo. “É bem feito, pensará o adulto; dir-se-ia um tigre, dir-se-ia um cavalo.” Mas ele não se equivoca quanto à realidade do objeto e não é, portanto, levado a reagir como o faria diante de um verdadeiro tigre ou de um verdadeiro cavalo. Ele está livre dos medos e das alegrias que a situação efetiva causaria. Assim também, para aquele que realizou o mahamudra, os pensamentos, cujo caráter irreal é desmascarado, não dão mais lugar a complicações emocionais: eles não engendram nem sofrimentos, nem alegrias.

Aparecem em nossa mente todos os tipos de pensamentos e imagens; mas eles não têm existência real. Lhaktong reconhece simultaneamente as manifestações mentais e sua ausência de existência real. Não se trata em absoluto de apagar a manifestação, nem renegar a faculdade criadora da mente, mas ver seu caráter desprovido de existência própria. Um falso tigre não deixa de aparecer com uma forma: é o aspecto manifestação. Saber, por outro lado, que ele não é real, corresponde ao aspecto vacuidade. A visão superior reconhece ao mesmo tempo a forma do tigre e sua irrealidade, a união da manifestação e da vacuidade.

Isso não significa em absoluto que a mente permanece desde então numa espécie de indiferença permanente, entediante e opaca. A mente experimenta, ao contrário, sua própria felicidade, sem medida comum com as alegrias ordinárias, a tal ponto que é considerada para além dos conceitos de alegria e não-alegria. A mente de um ser liberto está não apenas além do sofrimento, ela é por natureza e de maneira inalterável, paz, lucidez, inteligência, felicidade, amor e poder, infinitamente mais vivo do que o somos.

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