segunda-feira, 24 de outubro de 2005

Não há religião superior à Verdade

[...] Mas como dissemos anteriormente, ouvir palavras que expressam a verdade não é o mesmo que compreender esta verdade. As palavras são apenas mapas, e como mapas não podem trazer a experiência do território, as palavras não podem tornar-se um substituto para o conhecimento direto que é a verdade. Infelizmente a substituição continua sempre; assim as palavras fascinam a mente de tal maneira que ela cai na ilusão de que conhece o fato ou a verdade. Krishnamurti falou muitas vezes sobre a palavra não ser a coisa: a palavra “árvore” não é a árvore. Em A Primeira e Última Liberdade, ele disse sobre a Verdade e a Mentira: “Quando você ouve as palavras “Ama o próximo”, isto é uma verdade para você? Isto é verdade somente quando você ama seu próximo; e este amor não pode ser repetido, somente a palavra pode ser repetida. Ainda assim, muitos de nós ficamos felizes com a repetição de “ama teu próximo” ou de “não cobiçar”. Portanto, a verdade de outro ou uma experiência real que voce tenha tido, não se tornam uma realidade apenas pela repetição. Pelo contrário, a repetição impede a realidade”. Isto implica que a verdade não pode ser passada de um para outro. Nenhum guru pode agir como um procurador. Assim como um medicamento não pode ser tomado por um substituto, mesmo por um pai dedicado quando um filho cai doente, é insensatez acreditar que a sabedoria do guru nos curará da cegueira espiritual. Não há alternativa para a experiência direta da verdade por cada pessoa. A menos que seja conhecida intimamente, não é a verdade —mas somente uma sombra enganadora. [...]

[...] Assim, a religião e a ciência interrompem inesperadamente sua dedicação à verdade. Elas falham em seu papel declarado de promover a busca pela verdade porque isto poderia alijar tudo que se refere ao auto-interesse. Madame Blavatsky comparou as duas a dragões dos tempos antigos “um devorando o intelecto; o outro, as almas dos homens”. Mais adiante ela diz “mesmo assim, elas podem reconciliar-se com a condição de que ambas devam limpar suas casas, uma das antigas escórias humanas, e a outra das excrescências terríveis do materialismo moderno”. [...]

[...] Para descobrir a verdade sobre a religião ou qualquer assunto, devem ser descartados preconceitos e preferências pessoais. Esta é a abordagem científica, que é tão valiosa nesta área como o é ao investigar fatos e fenômenos materiais. Somos condicionados a ver tudo sob um ponto de vista pessoal, “meu” país, “minha” raça, “minha” religião ou “minha” classe social. A Humanidade foi descrita como um enorme corpo cujos membros guerreiam entre si. Involuntariamente nos situamos como parte de uma raça, de um país, de uma classe ou sexo; na maioria das vezes, até mesmo a religião é herdada, e não é escolhida com inteligência. Portanto, de geração em geração, preconceitos baseados em rótulos como hindu, cristão, muçulmano, alto, baixo, etc., levam a conflitos e a outras graves calamidades. Somente uma mente investigadora pode livrar-se destas limitações da mente pessoal e perceber que o progresso humano é essencialmente um crescimento da compreensão dos valores que harmonizam e unificam. Ser verdadeiramente religioso significa aprender a ser uno com todas as coisas vivas, e a incorporar valores como bondade e compaixão, simplicidade e desapego, ausência de orgulho e vaidade. O profeta Maomé ensinou que “a benevolência e a cortesia são atos de piedade” (Sayings of Muhammad, Dr. Suhrwardy, 1905, p. 4). Quando crenças, rituais e práticas que separam as pessoas não são identificadas com a religião e são deixadas de lado, a paz se torna uma realidade maior.[...]

Palestra proferida por Radha Burnier,
em 1º de agosto de 1998, no Habitat Centre, Nova Delhi
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