quinta-feira, 22 de fevereiro de 2007

Os livros e o rei

Existia, há muito tempo atrás, uma ilha muito grande que pertencia a um reino.

Nesta ilha havia muitas tribos diferentes, cada uma com seu próprio governador, idioma, costumes, vestimentas, etc. Os povos que habitavam esta ilha eram realmente muito diferentes entre si e tinham uma certa dificuldade para aceitar essas diferenças.

O reino no qual estava a ilha, era regido por um Rei muito sábio, justo e que apesar da distância, amava muito as tribos que lá viviam.

Todos, de todas as tribos, amavam muito o Rei, mas não podiam ir ao seu encontro pois a ilha ficava muito distante. Pediam freqüentemente ao Rei que algo fosse feito para que eles pudessem chegar à sede do reino e estarem mais próximos daquele que tanto amavam.

O Rei, atendendo os pedidos, decidiu construir uma ponte.

Porém havia dois problemas: o primeiro era a distância. Como a ilha ficava um pouco afastada do continente, seria preciso construir uma ponte muito longa e para isso todos os habitantes da ilha deveriam trabalhar juntos. E aí surgia o segundo problema: as tribos falavam línguas diferentes.

Mas o Rei, que era muito sábio, chamou seu melhor engenheiro e mandou que ele fosse à ilha ensinar os homens das tribos a construir a ponte.

O engenheiro percebeu que não seria fácil unir todas as tribos devido às diferenças que existiam em cada uma. Além do mais ele era um estranho e as pessoas não estariam muito receptivas a estranhos…

Então ele teve uma idéia! Antes de ir a cada tribo, o engenheiro observaria cada uma delas, aprenderia sua língua, seus costumes, seu modo de se vestir e só então partiria para a viagem.

Chegava em cada tribo como se fosse um deles. Falava o mesmo idioma, se vestia da mesma forma, tinha os mesmos costumes e até adotava um nome diferente para si em cada visita; e então o povo conseguia aceitar e entender o engenheiro, que se empenhava em ensinar com detalhes como eles deveriam construir a ponte que ligaria a ilha ao continente.

Todos os ensinamentos do engenheiro eram anotados em um livro para que, no momento da construção, eles não esquecessem nem errassem nenhuma das lições. Eram livros muito importantes para todos, pois todas as tribos precisariam trabalhar juntas para construir a ponte. Apesar disso, o engenheiro nunca quis escrever um manual, preferia ensinar com palavras e com demonstrações práticas.

Assim que terminava de ensinar, o engenheiro partia para uma nova missão, mas não sem antes prometer voltar para ver a obra de cada um.

E assim foi até a última tribo. Todas elas receberam as lições do engenheiro. Todas aprenderam a construir a ponte. Todas escreveram seu próprio livro. Livros escritos em épocas diferentes, em línguas diferentes, por tribos diferentes, com títulos diferentes mas todos possuíam o mesmo ensinamento: a construção da ponte.

Chegou então o grande dia! Toda a ilha estava em festa! Iriam começar a construção da sonhada ponte!

Os governantes de cada tribo começaram a dar as orientações que estavam no livro, mas algo estranho aconteceu.

Cada tribo começou a achar que apenas o seu livro estava correto. Dizia que os livros das outras tribos eram fraudes, que quem os escreveu não sabia nada sobre construção de pontes e que o seu – apenas o seu – livro possuía os ensinos do verdadeiro engenheiro do Rei. O livro passou a ser mais importante que a construção. Passaram mais a discutir que a construir. As bocas trabalhavam mais que as mãos. Definitivamente não se entendiam; a discórdia surgiu e as ofensas partiam de todos para todos.

Esta situação durou vários anos, muitas tribos entraram em guerra e várias pessoas morreram. A ponte não foi construída e os homens ao invés de se aproximarem do Rei, se afastavam cada dia mais.

O Rei, sabendo de tudo o que estava acontecendo na ilha, resolveu mandar novamente seu engenheiro. Mas desta vez seria diferente…

O engenheiro do Rei voltou à ilha e se apresentou a todos os moradores. Falava a língua oficial do reino. A Linguagem Universal. Poucos sabiam falar essa língua, mas todos conseguiam compreender perfeitamente cada palavra.

Todos ficaram muito espantados, pois apesar de não estar vestido como cada tribo estava acostumado e estar falando a língua oficial, reconheceram imediatamente aquele engenheiro e lembraram da sua promessa de voltar.

Contudo, o que mais espantou aquelas pessoas, foi o que o engenheiro disse.

Falou que os livros eram apenas letras impressas; que os homens das tribos se preocuparam em gravar as palavras nos papéis, mas deveriam ter gravado as palavras nos corações; olhavam apenas para seus livros, quando deveriam olhar uns para os outros e finalmente, que esqueceram seu objetivo principal que não era construir a ponte e sim, chegar ao Rei.

Então, convidou todos a queimarem seus livros, fazerem uma grande fogueira com eles para quem sabe, esquentar um pouco seus corações…

Lá de longe o Rei viu o brilho da fogueira e sorriu.

Um comentário:

Anônimo disse...

Incrivel a forma como consegue transmitir em palavras o que, de fato, vivemos em dias de crise ´de identidade!
Muitas vezes não nos entendemos pq nos apegamos a coisas insignificantes e esquecemos do objetivo principal "Chegar mais próximo do Rei"...
Suas metáforas inspiram!
Admiradora para todo o sempre-...
PARABENS!!!
Nata:*