quinta-feira, 1 de fevereiro de 2007

O ideal de uma religião universal

Unidade na variedade é o plano do Universo. Somos todos homens e ainda assim somos distintos uns dos outros. Como parte da humanidade sou uno com você, mas como Sr. Fulano de Tal sou diferente de você. Como homem você está separado do animal, mas como seres vivos, homem, mulher, animal e planta são todos unos; e como existência você é uno com todo o Universo. Essa existência universal é Deus, a Unidade última no Universo. Nele, todos nós somos um. Ao mesmo tempo, na manifestação, as diferenças têm de permanecer. Deverão sempre permanecer em nossas ações, em nossa capacidade enquanto se manifestam externamente. Vemos, então, que é completamente impossível a idéia de uma religião universal significar que toda a humanidade deve acreditar num único conjunto de doutrinas. Isto jamais poderá acontecer, nunca haverá tempo em que todos os rostos serão iguais. Insisto, se esperamos que haverá uma só mitologia universal, isso também é impossível, não pode ser assim. Tampouco poderá haver um único ritual universal. Tais coisas jamais virão a acontecer; se um dia pudessem existir, o mundo seria destruído porque a variedade é o primeiro princípio da vida.

O que nos dá o caráter de seres? A diferenciação. O equilíbrio perfeito seria nossa destruição. Suponha que a quantidade de calor nessa sala, cuja tendência é a difusão perfeita e uniforme, alcançasse este tipo de difusão, então, para todos os fins práticos, o calor deixaria de existir. O que torna o movimento possível nesse universo? A perda do equilíbrio. A unidade somente poderá existir quando este universo for destruído, caso contrário, tal fato é impossível. Não apenas isso, seria perigoso se acontecesse. Não devemos desejar que todos pensemos igual. Se assim fosse não haveria pensamento a ser pensado. Seríamos todos idênticos como múmias egípcias em um museu: umas frente às outras sem um pensamento sequer a ser pensado. É essa a diferenciação, essa perda de equilíbrio entre nós que representa a própria alma de nosso progresso, a alma de nossos pensamentos. E assim deverá prosseguir.

O que, então, quero dizer com o ideal de uma religião universal? Não pretendo nenhuma filosofia, mitologia ou ritual universal que seja idêntico para todos, porque sei que esse mundo deve continuar em funcionamento, essa complicada engrenagem, esse intrincado conjunto de maquinária por demais complexo e maravilhoso. O que podemos fazer então? Podemos fazer com que funcione suavemente, podemos diminuir o atrito como se engraxássemos as engrenagens. Como? Reconhecendo a necessidade natural da variedade. Da mesma forma como reconhecemos que a unidade é a nossa própria natureza, devemos reconhecer a multiplicidade. Temos de aprender que a verdade pode ser expressa em milhares de formas, e que cada uma delas é a verdadeira enquanto existir. Temos que aprender que a mesma coisa pode ser vista de uma centena de ângulos e, ainda assim, continuar sendo a mesma coisa… Através de uma filosofia superior ou inferior, através da mais exaltada mitologia ou da mais crassa, através do ritualismo refinado ou do fetichismo inqualificado, cada seita, cada alma, cada nação, cada religião, consciente ou inconscientemente, estão se esforçando para elevar-se em direção a Deus; cada visão que o homem tem na verdade, é uma visão d’Ele e de ninguém mais. Suponha que fôssemos buscar água num lago, cada qual com um recipiente nas mãos: um traz uma xícara, outro um pote, outro um balde, e assim por diante. No entanto, cada um de nós traria água e nada além de água em cada recipiente. O mesmo se dá com a religião. Nossas mentes são como esses recipientes e cada um de nós está se esforçando para chegar à realização de Deus. Deus é como a água que preenche os diferentes recipientes, e em cada um a visão de Deus vem no formato de seu recipiente. Ainda assim Ele é Um. Ele é Deus em todos os casos. Esse é o único reconhecimento da universalidade a que podemos chegar.

Trechos retirados de “The complete Works of Swami Vivekananda”, vol. 2, pp.38l-384. Advaita Ashrama, Calcutá, Índia

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