quinta-feira, 15 de dezembro de 2005

O despir do homem

Sim, o pecado nada mais é do que a barreira que o homem coloca entre ele próprio e Deus – entre seu eu transitório e seu eu eterno. A princípio, um punhado de folhas de figueira, essa barreira veio a tornar-se um poderoso baluarte. Desde o momento em que abandonou a inocência do Éden, o homem tem estado ocupadíssimo em reunir cada vez mais folhas de figueira e a costurar um sem número de aventais. Que são as artes e a instrução do homem, senão folhas de figueira? Seus impérios, nações, segregações raciais e religiões, não são cultos de adoração à folha de figueira? Seus códigos de certo e errado, de honra e desonra, de justiça e injustiça; seu avaliar o inavaliável, e medir o imensurável, e padronizar o que está além do padronizável – não é tudo isso remendar a já ultra-remendada tanga? Sua avidez pelos prazeres que estão pejados de sofrimento; sua ambição pelas riquezas que empobrecem; sua sede pela maestria que subjuga; sua cobiça pela grandeza que achincalha – não são todas essas coisas aventais de folhas de figueira?

Nesta corrida patética para cobrir sua nudez, o homem vestiu um grande número de aventais que, no correr dos anos, agarraram-se-lhe fortemente à pele que ele já não distingue os aventais da pele. E o homem sente-se sufocado, e clama por quem o liberte de tantas peles. No entanto, em seu delírio, o homem tudo faz para ser libertado de sua carga, menos a única coisa que em verdade pode aliviá-lo de sua carga, que seria atirar fora essa carga. Ele quer libertar-se de sua carga e agarra-se a ela com todas as suas forças. Deseja estar nu e, no entanto, mantém-se completamente vestido.

É chegada a hora de despir-se, e eu vim para auxiliar-vos a lançar fora vossas peles desnecessárias – vossos aventais de folhas de figueira – para que assim possais também auxiliar a todos os que anseiam por ver-se livres dos seus. Eu só ensino como fazê-lo, mas cada qual terá de se livrar dos seus, por mais doloroso que lhe seja o despir-se. Não espereis por nenhum milagre que vos salve de vós próprios, nem receeis a dor; a Compreensão nua converterá vossa dor em um perene êxtase de alegria. Se vos enfrentardes a vós próprios, na nudez da Compreensão, e, se Deus chamar-vos e perguntar: “Onde estais?” – não vos envergonheis, nem temais, nem vos oculteis de Deus, mas, ao contrário, deveis permanecer firmes, sem receio e divinamente calmos, respondendo a Deus:

“Eis-nos aqui, Deus – nossa alma, nosso ser, nosso único eu. Envergonhados, medrosos e sofrendo dores, caminhamos pela áspera e tortuosa vereda do bem e do mal, que tu nos apontastes na aurora do tempo. A grande nostalgia apressou nossos passos, e a fé sustentou nosso coração, e agora a Compreensão libertou-nos de nossas cargas, curou nossas feridas e trouxe-nos de volta a tua santa presença, nus do bem e do mal, da vida e da morte; nus de todas as ilusões da dualidade, nus exceto do manto de vosso ser, que tudo envolve. Sem folhas de figueira para esconder nossa nudez, aqui estamos diante de ti, livres da vergonha, iluminados e sem temor. Vede, estamos unificados. Vede, nós vencemos”.

Saindo da Matrix
Texto na íntegra

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