terça-feira, 30 de agosto de 2005

Dogma - uma análise do filme

Certas obras artísticas traduzem bem os movimentos que sacodem os subterrâneos do inconsciente comum da humanidade. O filme Dogma é um desses. Seu tema principal é um antiquíssimo e poderoso arquétipo que vive na alma coletiva da espécie desde seus primórdios: a idéia de Deus.

Que a relação da humanidade com esse arquétipo vem de muito longe, isso não é novidade. O que assusta algumas pessoas de religiosidade mais ortodoxa é dizer que, como numa relação todas as partes envolvidas são sempre afetadas, na relação da humanidade com Deus mudamos nós, humanos e… Deus também teve de mudar! E ai dele se não mudasse.

Dos deuses-forças da Natureza, passando pelos deuses do Olimpo, até a idéia de um deus único e todo-poderoso, muita água rolou por baixo da ponte, muitas noites em claro. Essa difícil relação entre criador e criatura é uma verdadeira saga onde não faltam conflitos, sofrimentos, dilemas, heróis e mártires. As mitologias de todo o mundo formam um mosaico precioso para entender melhor essa saga; no entanto, na carona do filme Dogma, tomemos a Bíblia: ela pode ser vista (também) como o registro simbólico da evolução do conceito de Deus de boa parte da humanidade. Assim veremos perfeitamente como ambas as partes da relação evoluíram com o tempo, criador e criatura.

A mordida no fruto proibido simboliza o advento da consciência, o momento histórico em que um ramo dos hominídeos se diferencia pelo refinamento de sua mente. Antes eram todos mergulhados na inconsciência geral, na indiferenciação psíquica: era o Éden. Nem felizes nem infelizes: simplesmente não se questionavam. Evoluída a mente, surge a consciência, feito uma extensão de terra que aos poucos se eleva do fundo do oceano inconsciente e põe a cabeça de fora: é a terra que, em forma de ilha, adquire consciência sobre si mesma e sobre o que a rodeia.

No entanto a autoconsciência tem seu preço. O despertar para um novo nível de compreensão da realidade e de si mesmo traz sempre novas dúvidas e grandes desafios. Ao adquirir a autoconsciência, nossos antepassados foram expulsos do tranquilo paraíso do não-saber. E saíram dele com a pergunta que a partir daí jamais se calaria: quem nos criou e onde diabos estará?

Por Ricardo Kelmer
Texto na í­ntegra

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