terça-feira, 30 de agosto de 2005

Dissolução da dualidade

Príncipio da Dissolução da Dualidade. Um dos príncipios do Taoísmo, brilhantemente abordado por Ricardo Kelmer:

O mito cristão da expulsão do Jardim do Éden é uma maneira simbólica (e nem por isso menos verdadeira) de explicar o processo da criação da consciência humana. Com uma forma mais refinada de consciência nossos ancestrais se diferenciaram de seus parentes hominídeos e começaram a se questionar sobre a realidade. Assim surgiram as dualidades, tão necessárias ao crescimento psíquico da espécie.

Bem e mal, mente e corpo, luz e sombra, vida e morte. De repente a existência tornou-se um grande mercado de conceitos e opostos por onde a espécie teria de se movimentar e se situar no contexto geral da existência.

Que mal há nos opostos da vida? Em si, nada. Eles de fato são necessários durante uma determinada etapa de aprimoramento da consciência. Porém, ao fragmentar a realidade em contrários, tendemos à identificação com um deles e desprezamos o outro. Desse modo nos limitamos a percorrer o grande mercado dos conceitos tendo de escolher o tempo todo entre isso e aquilo, o que termina por limitar nossas escolhas e nossa própria compreensão da vida. Tornamo-nos assim unilaterais. Acostumamo-nos a enxergar a realidade de forma fragmentada e fica cada vez mais difícil perceber sua natureza una. Assim nos aliamos ao que consideramos certo e entendemos que é errado tudo que não se alinha conosco. Assim surge o medo do outro, a intolerância e os preconceitos – assim surgem as guerras. Porque nunca identificamos o mal em nós mesmos.

Ao seguir o Tao, ruem por terra os opostos. Eles continuam existindo mas agora são usados pelo taoísta de forma diferente. Ao entender que não somos nem nunca seremos um dos opostos mas sempre os dois, começamos a lidar melhor com nossos defeitos e, consequentemente, com os defeitos dos outros. Somente essa compreensão já transforma o mundo, não duvide.

Agora veja só: se isso ocorre em termos de conceitos morais, o que dizer de conceitos como aqui e ali, ontem e amanhã? Se o taoísmo nos guia naturalmente para a dissolução dos opostos, ele aqui nos conduz também para uma compreensão mais abrangente do espaço e do tempo, onde as divisíµes começam a sumir feito névoa e nos surge… a percepção da unicidade! Surge-nos a indescritível sensação de perceber que na verdade tudo é uma coisa só, até mesmo o tempo e o espaço.

Deixei por último, de propósito, uma categoria de opostos: eu e o outro. Eu e aquilo que não sou eu. No polêmico mercado dos conceitos humanos certamente é esse o mais intrigante e limitador dos contrários. Sendo o mais difícil de superar, por isso mesmo deve esconder o mais libertador dos segredos. Qual será?

Por Ricardo Kelmer
Texto na í­ntegra

Nenhum comentário: